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Date :  2016-10-01
langue :  Portugais
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Da luta de classes e da indiferança ao Outro


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Autor de “Jacques e a Revolução” revê sua obra, que estreia em 7/10, no Rio: “quis examinar a dominação do ponto de vista humano”

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Jacques e a Revolução, ou “Como o criado aprendeu as lições de Diderot”
Centro Cultural Parque das Ruínas
R. Murtinho Nobre, 169 – Santa Teresa
De 7 a 30 de outubro, no Rio de Janeiro – sexta a domingo, às 19h
R$ 30,00 reais e R$ 15,00 (meia)
Duração: 80m
Facebook: https://www.facebook.com/jacquesearevolucao/


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No filme Minhas ideias assassinas, dirigido por Jan Egleson, em 1990 (EUA), um diálogo entre o personagem principal, feito por Michael Caine, e um detetive, Will Patton, sobre as mortes por acidente ocorridas em torno do suspeito, parece representativo de algo que ultrapassa a situação do confronto entre os dois. O detetive se refere a uma explosão num barco no qual morrera um colega de firma de Caine. “Ele era seu superior, não é mesmo?” – interroga. E o outro, não sem provocar no interlocutor um sorriso irônico: “Não.” – contradiz. “Ele era o meu chefe”.

O diálogo me vem à mente quando penso na peça, escrita em 1989, por ocasião das comemorações do bicentenário da Revolução Francesa. Coloco-me na posição de ter de voltar um olhar para o que criei, certo de que, por outro lado, também sou olhado pelo meu próprio texto. É uma obra que resultou de uma decisão de “brincar” com um conjunto de situações concebidas por Denis Diderot, o iluminista francês, no seu romance Jacques, o fatalista.

Um dos interesses do espetáculo está em extrair humor de coisas sérias, e, entre elas, o confronto posto diante do espectador entre dois indivíduos, um que trabalha para o outro. Enfrentamos, assim, uma das questões mais graves da modernidade ocidental, algo sobre o qual muito se escreveu e pouco se concluiu. Teorias políticas que revolveram a poeira do mundo se fixaram em grande parte no contraste que nos emparedou uns e outros diante de antagonismos viscerais, responsáveis, aliás, por reviravoltas que transformaram, dependendo do momento e do lugar, social e individualmente, pobres em ricos e vice-versa. Ninguém pode afirmar, em tal plano, que, do século 18 para os nossos dias, quase não mudamos.

No entanto, nas inúmeras discussões sobre o tema, faltou examiná-lo à luz do foco essencialmente humano. Vimos patrões como algozes, exploradores, aves de rapina dos empregados. E ao contrário, do outro lado, empregados entendidos como preguiçosos, exploradores do capital alheio, incapazes de entender as razões da economia, só correspondendo quando, literalmente, obrigados. Apenas não vimos o que somos acima dos fatores que nos elevam ou rebaixam como superiores e inferiores.

Não havia como fazê-lo, inseridos numa história fundamentada em hierarquias, por mais que a Revolução de 1789 tenha se esforçado por extingui-las.

Conhecemos de há muito as dificuldades que demonstramos em enxergar o outro, e nos aproximar do sofrimento dos nossos semelhantes, quando eles não nos tocam de muito, muito perto. Numa sociedade baseada em competição é necessárioo espírito em estado de alerta para escaparmos, sobrevivermos na selvageria e nos afirmarmos em relação ao ambiente que nos cerca. Sartre não usou por acaso a frase famosa “o inferno são os outros”. Sabemos o que pretendeu significar. Sempre foi assim, por isso os cristãos medievais pregaram a caridade: com a intenção de evitar a dureza no esmagamento dos menos favorecidos.

Olhando para o autor e olhada por ele, aquela peça efetua uma reflexão que ultrapassa a dialética senhor/escravo para pensar que, dentro dos modelos da História, somos todos, de qualquer maneira, parecidos. O que nos move não é diverso daquilo que move os outros, acima ou abaixo das nossas posições. Não se trata de um mero lugar comum pelo qual o hábito faz o monge, que muda de roupa e, ao fazê-lo, modifica a sua personalidade. Uma experiência trágica se extrai das cenas de comicidade das quais também não escapamos, ora encarando os fatos de um modo, ora de outro.

Jacques e a revolução, ou como o criado aprendeu as lições de Diderot, insinua um balanço, uma possibilidade de virada nas antigas e viciadas formas de nos encarar. Claro que não se trata de tarefa simples. Cabe ao espectador enveredar pelo desafio da reflexão, sondar o que se passa em sua alma e desconfiar que o outro, tão diferente, pode e deve ser pensado.

Uma estranha consequência do sistema capitalista, na sociedade de massas e de consumo, é o fato de que todos são diferentes entre si e iguais enquanto seres ativos no mercado de compras. No entanto, alto lá! Sabemos que aqui não se coloca o desafio do igualitarismo capaz de reconhecer no sofrimento do meu vizinho o meu próprio. Continuamos, nesse sentido, até mais indiferentes, dando de ombros para o que vemos e assistimos em nossa volta.

Eis o que, agora que olho para ela e sou olhado por ela, posso reconhecer que aprendi com esta peça. Estamos beckettianamente presos no mesmo laço, lutando para escapar com um sucesso mais do que relativo. Será questão de aprendizado? Ou de uma condição inescapável? Nos confrontos entre Jacques, o empregado, e o Empresário, este não ignora que tem muito a aprender com o outro. Seus negócios, sua riqueza, se alicerçam nele, incluindo, para lá de sua força de produção, as maneiras como lida com a existência e tira proveito do aparente estado de inferioridade em que, por diversos fatores, se vê colocado. Como se sairão ambos destes confrontos é uma descoberta que ainda nos resta a fazer.


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