O Relatório sobre o comércio e o desenvolvimento 2006 da UNCTAD assinala a crescente volatilidade dos mercados de valores, produtos básicos e divisas dos países em desenvolvimento e das economias emergentes, e adverte que se não forem adotadas medidas no plano internacional para reduzir os desequilíbrios comerciais mundiais, as crises financeiras provocadas pela queda do dólar colocarão em perigo o crescimento da economia mundial.
Até esta data, as turbulências afetaram somente algumas economias periféricas com déficits em conta corrente mais elevados. Não há indícios de que se aproxima uma importante crise financeira comparável à de quase dez anos atrás, na Ásia ou América Latina. Não obstante, a flexibilidade e o pragmatismo da política macroeconômica dos Estados Unidos, que até o momento impediram que as deficiências do sistema de comércio internacional provocassem deflação e recessão expressivas, e que limitaram os danos “unicamente” a enormes desequilíbrios comerciais, não podem manter-se indefinidamente.
O relatório defende uma iniciativa multilateral que corrija os desequilíbrios mundiais, em parte mediante uma expansão da demanda interna em países industrializados chaves (exceto os Estados Unidos) - por exemplo, Japão e Alemanha, que têm enormes excedentes ou superávits, na atualidade – de maneira a evitar choques que afetariam os países em desenvolvimento.
Apesar do nervosismo cada vez maior dos investidores internacionais, a maioria das economias emergentes é hoje menos vulnerável do que durante as grandes crises das últimas décadas. Em 2005, as contas correntes dos países da Ásia meridional e do sudeste asiático registraram grandes superávits, assim como o conjunto da América Latina. São cada vez mais os países em desenvolvimento que, depois das crises da Ásia e da América Latina, seguiram um caminho similar: estabilização unilateral de suas taxas de câmbio em níveis mais desvalorizados, consideráveis superávits em conta corrente, e acumulação de enormes reservas internacionais em dólares americanos, mediante intervenções nos mercados de divisas.
Em geral, considera-se que essa estratégia de desvalorização mais intervenção está distante de ser o melhor método para que os países façam crescer suas economias. Mas, em muitos aspectos, é a única maneira viável de se adaptarem às deficiências sistêmicas da atual ordem econômica mundial: é o que estes países podem fazer na falta de um sistema financeiro multilateral que estabeleça obrigações simétricas para países com superávits e países com déficit, e que equilibre os interesses das nações ricas e pobres.
Segundo a UNCTAD, não é por acaso que a estratégia de depreciação cambial mais intervenção é mais freqüente nos países em desenvolvimento que atravessaram crises monetárias nos últimos anos, depois da liberalização de seus sistemas financeiros e de suas contas de capital. Uma vez aprendido que a dependência dos fluxos de capital estrangeiro raramente traz bons resultados, um número crescente de países em desenvolvimento tem optado por uma estratégia alternativa, que torna os superávits comerciais no motor do investimento e do crescimento. Essa estratégia os obriga a defender sua competitividade, intervindo nos mercados de divisas. Porém, essa política também implica que, pelo menos um país – na atualidade, os Estados Unidos – tenha que aceitar os déficits comerciais e em conta corrente correspondentes.
Os economistas da UNCTAD temem que os Estados Unidos tenham chegado ao limite da sua capacidade no papel de consumidor de última instância e de locomotiva do crescimento mundial. Durante muito tempo os Estados Unidos puderam ignorar seu enorme, e cada vez maior, desequilíbrio comercial, já que até o momento não havia ocorrido nenhum conflito interno no que diz respeito à manutenção do pleno emprego e à estabilidade dos preços. Atualmente a possibilidade desse conflito é, em si mesma, um risco importante, já que as fontes internas de crescimento, com certeza, enfraquecerão. A UNCTAD considera pouco provável que a taxa de poupança pessoal nos Estados Unidos reduza outros cinco pontos percentuais nos próximos dez anos, ou permita que o resultado do orçamento público diminua outros seis pontos. Por
conseguinte, a economia mundial teria que se organizar sem o estímulo ao crescimento utilizado nos últimos 15 anos.
Uma forte desvalorização do dólar tenderia a restabelecer a competitividade e ajudaria a re-equilibrar a economia dos Estados Unidos. Tendo em conta que o crescimento mundial depende do estímulo da demanda deste país, uma diminuição das importações norte-americanas poderia se estender e ampliar por todo o mundo, assim como nos últimos anos fizeram os impulsos positivos da demanda crescente daquele país. Os países em desenvolvimento poderiam ver reduzidos e, inclusive,
invertidos os progressos alcançados recentemente em questões de desenvolvimento e diminuição da pobreza.
Apesar dos superávits nos países em desenvolvimento, a principal razão de a carga mundial suportada pelos Estados Unidos ser cada vez mais difícil de manejar é o fato de que outros países industriais chaves não somente não têm desempenhado a função que lhes corresponde, como têm contribuído, de maneira decisiva, para sobrecarregar aquele país. Os enormes superávits externos do Japão e da Alemanha, e a melhoria da sua competitividade mostram que o aumento de competitividade necessário aos Estados Unidos deveria ser alcançado principalmente às custas deles, sendo que este processo seria mais fácil se produzido com uma demanda interna em forte expansão.
Segundo a Secretaria-Geral da UNCTAD, a função que a China pode desempenhar na solução favorável dos desequilíbrios mundiais difere muito das destes dois países. Desde o início dos anos noventa, a demanda interna e as importações da China têm crescido com força e o país tem desempenhado um papel essencial na expansão e manutenção do crescimento em todos os países em desenvolvimento, processo que não deve desandar. Por outro lado, a revalorização do renminbi deveria prosseguir de modo gradual e não abrupto, tendo em conta as implicações regionais. Assim como a China, os países produtores de petróleo também têm desempenhado, nos últimos anos, uma função importante nos desequilíbrios mundiais. Os produtores de petróleo deveriam aproveitar a evolução favorável das relações de troca para investir e diversificar suas estruturas de produção. Se os preços do petróleo são mantidos elevados, sua contribuição para uma solução favorável dos desequilíbrios mundiais poderia consistir em um maior incremento da demanda interna, em linha com o aumento de renda, direcionando o maior gasto para investimentos sociais e físicos, a fim de diversificar suas economias.
O relatório afirma que para corrigir os desequilíbrios mundiais é necessária uma iniciativa multilateral responsável, em lugar de se fazer pressão sobre partes do mundo em desenvolvimento. Um esforço macroeconômico internacional bem coordenado aumentaria consideravelmente as possibilidades de os países mais pobres preservarem e prosseguirem melhorando seus desempenhos de crescimento. Segundo o relatório, na ausência dessa iniciativa, os países em desenvolvimento deveriam defender estrategicamente suas propícias posições competitivas e utilizar as atuais condições gerais favoráveis para investir mais e reduzir sua dívida externa.