A palavra neoliberalismo foi a mais repetida e atacada nas conferências e nos corredores do Fórum Social Mundial, encerrado ontem em Porto Alegre. Mesmo depois de seis dias de discussões, a interpretação da prática mais odiada por políticos, sindicalistas, estudantes e ativistas de esquerda que desde a semana passada circularam pela capital gaúcha ainda não tem uma definição consensual.
Cada um interpreta neoliberalismo de acordo com a bandeira que defende, mas para todos ali está a raiz dos males da humanidade.
As mães argentinas da Praça de Maio, por exemplo, relacionam a doutrina aos filhos desaparecidos. As indianas culpam os chamados neoliberais pela falta de espaço para as mulheres na sociedade.
Zero Hora ouviu 13 participantes do Fórum de nacionalidades diferentes durante a última tarde de debates no Centro de Eventos da PUCRS, que responderam à mesma pergunta: o que é neoliberalismo? Todos afirmaram
se tratar de uma prática ruim, mas o caminho para chegar a esta posição foi tão diferente quanto o idioma que falam.
O professor titular da Faculdade de Filosofia da UFRGS Denis Rosenfield lembra que hoje há muita confusão entre os conceitos de globalização e das políticas neoliberais. Ele explica que globalização é um fenômeno sócio-econômico que repercute em todas as esferas da vida humana, enquanto que o neoliberalismo é um conjunto de idéias que apregoa a desregulamentação indiscriminada do mercado, com a diminuição do papel do Estado. Resistir ao neoliberalismo significa, segundo Rosenfield, contrapor uma política à outra.
O que é o neoliberalismo
Doutrina de idéias que defende a desregulamentação do mercado como um fator essencial da riqueza econômica e sustenta que a partir dela se obtenha a prosperidade social. Está apoiado na idéia de liberdade econômica da qual derivaria a liberdade política, individual e de opinião.
Os idiomas do neoliberalismo
Mike Dolan, 45 anos, São Francisco (EUA). «Não representa nenhuma organização. É uma política econômica imposta ao mundo subdesenvolvido por Washington D.C, especialmente pelas grandes corporações de negócios. É uma coisa ruim para o desenvolvimento do mundo, mas aqui em Porto Alegre estamos começando a escrever o que poderá ser uma alternativa para um novo modelo econômico.
Dada Amitavdyananda, 44 anos, Movimento Ananda Marga, Toledo (Espanha). «Não temos de chamar essa política de neoliberalismo, mas sim de ultraliberalismo, já que é a liberdade completa para que as grandes corporações possam fazer o que quiserem em cada país do planeta. Não respeitam fronteiras, nem a natureza e não têm consideração pelos seres humanos. São tão arrogantes que tratam a questão como se este fosse o único caminho, e ainda dizem que não são extremistas ».
Olga Aredez, 70 anos, Movimento das Mães da Praça de Maio, Província de Jujuy (Argentina). «É uma doutrina diabólica que chega ao mundo e à humanidade trazendo destruição e exclusão. Para impor esse sistema assassinaram e fizeram
desaparecer milhares de pessoas no Terceiro Mundo. Impuseram à força, à bala e com sangue este modelo que produz os desaparecidos sociais, aqueles que estão totalmente excluídos da sociedade por não terem trabalho, não poderem estudar e não poderem comprar seus medicamentos quando ficam doentes».
Marcelo Nervi, 35 anos, Central de Trabalhadores Argentinos (Argentina) «É um modelo econômico, social e cultural que está nas mãos de um capitalismo selvagem que impera em todo o mundo. O neoliberalismo torna muitos setores da sociedade excluídos e marginalizados, principalmente os pobres. O modelo neoliberal domina muitos governos no mundo e decide o futuro de países, inclusive a derrubada ou não de governantes».
Deus Kibamba, 29 anos, Land Rights Research and Advocacy Institute in Dares Salaam, Tanzânia (África). «O neoliberalismo é um sistema internacional que está crescendo rapidamente, pressionado por um pequeno grupo de fortes corporações.
Na África, a discussão social sempre teve prioridade, mas a globalização está mudando isso, e os políticos africanos têm sido os primeiros a violar os direitos humanos».
Henry Saragih, 35 anos, International Via Campesina (Indonésia). «Entre as marcas deixadas no mundo pelo neoliberalismo estão as privatizações e a alta taxação sobre os produtos. Na Indonésia, os reflexos do neoliberalismo estão chegando aos poucos».
David Sogge, 56 anos, Instituto Transnacional de Amsterdã (Holanda). «É uma idéia criada por pessoas, não uma força natural. Vem desde o século passado e hoje esse sistema mostra que com muito poder é possível fabricar idéias. É isso que o neoliberalismo faz. Foi criado por um grupo europeu de economistas e pensadores de direita nos anos 30».
Luca Pellegrini, 32 anos, integrante da Attac, Lousane (Suíça). «Para mim é uma expressão particular de uma fase do capitalismo que se caracteriza por um desenvolvimento do setor financeiro. Tem como elemento principal os fundos de investimento e como conseqüência um aumento da concentração de capital nas mãos de um grupo cada vez menor. Essa concentração aumenta as desigualdades, acentuadas pelo processo de privatização».
Catherine Duvelleroy, 40 anos, Centro de Atendimento Familiar de Caen (França). «A única coisa que o neoliberalismo trouxe para a população foi o crescimento da globalização do mercado e não da população. Se isso ocorresse ao contrário seria muito mais interessante. Em cima estaria o povo e embaixo o mercado. Mas não é assim. O ideal seria utilizar a globalização para benefício das pessoas, mas isso é apenas um sonho que tenho».
Sunkara Punyavathi, 45 anos, integrante da All India Democratic Women's Association, Nova Delhi (Índia). «No meu pensamento há uma palavra que dá o real significado do neoliberalismo: demônio. É um demônio principalmente para as pessoas que vivem nos países de Terceiro Mundo, especialmente para as mulheres».
Robert Jasmin, 58 anos, juiz do Trabalho em Quebec e integrante da Attac, Canadá. «É o pior e mais perverso lado do capitalismo, que cresce muito rápido e ninguém sabe para onde vai. Coloca o lucro e o dinheiro antes de tudo, antes das pessoas, dos direitos humanos, da educação e da cultura. No neoliberalismo as pessoas estão a serviço do dinheiro, do dinheiro perverso».
José Alves da Silva, 36 anos, presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília (Brasil). «Significa fome, miséria, desgraça dos povos e o impedimento que os
países que tentam crescer cheguem ao desenvolvimento. O assunto também
está sendo discutido na Suíça, em Davos, mas lá eles conseguem isolar a realidade do mundo e transformar a concentração da riqueza no assunto principal, enquanto a miséria é distribuída por todo o planeta».
Julen Arzuaga, 28 anos, integrante de Las Gestoras Pró-Amnistia, ONG que defende os direitos dos presos políticos, País Basco (Espanha). «É uma forma de condicionar as pessoas para que elas não possam tomar decisões sozinhas. A origem do neoliberalismo vem dos estados mais poderosos do mundo, que fazem suas políticas guiadas por seus próprios interesses de forma a lhes perpetuar no poder».
Rodimar de Oliveira
Agência RBS