A partir de 2002, o campo militar norte-americano de Guantánamo passou a ser o destino de mais de 300 prisioneiros, detidos durante as guerras do Afeganistão e do Iraque. Suspeitos de terrorismo, muitos dos detidos podem ser, de acordo com diversas ONG, inocentes que se encontravam "no local errado, no momento errado".
Depois de os EUA terem manifestado a sua intenção de libertar 30 prisioneiros, uma audição organizada pela comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos e pela subcomissão dos Direitos Humanos no dia 28 de Fevereiro tentou responder a uma simples questão: deverá a União Europeia acolher os prisioneiros libertados da prisão de Guantánamo?
Paradoxalmente, quanto mais acentuada é a pressão internacional destinada a forçar o encerramento do campo de Guantánamo, maior parece ser o risco de exposição à tortura. A representante do Centro Americano para os Direitos Constitucionais, Emi MacLean, explicou durante a audição que "estes homens encontram-se perante uma escolha impossível: ficarem detidos indeterminadamente no campo de detenção extrajudiciário de Guantánamo ou serem repatriados para países onde poderão ser torturados e perseguidos." Por outro lado, referiu, "uma solução possível poderia ser a abertura da Europa a alguns destes prisioneiros".
De acordo com a eurodeputada inglesa Baroness Sarah Ludford (Grupo da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa), alguns "perdem a razão por viverem em células estreitas de 2 x 2,5 metros, sem luz do dia e com uma luz artificial permanente." Mas mesmo depois de libertados, estes prisioneiros podem continuar a ser perseguidos, especialmente os naturais da China, da Líbia, da Argélia, da Tunísia, o Sudão ou o Egipto.
Receber os prisioneiros em solo europeu?
"Chegou o momento de a Europa afirmar a sua vontade política e ajudar os EUA a fechar este capítulo vergonhoso da história", defendeu a eurodeputada Baroness Sarah Ludford.
A proposta foi imediatamente objecto de críticas durante a audição. "Por que motivo deveria a União Europeia resolver os problemas que os próprios EUA não são capazes de resolver?" foi uma das questões levantadas pela eurodeputada alemã Ewa Klamt (Grupo do Partido Popular Europeu e dos Democratas Europeus). Para a eurodeputada portuguesa Ana Gomes (Grupo Socialista), as reticências colocadas por alguns Estados-Membros quanto ao acolhimento dos refugiados de Guantánamo explicam-se pela "cumplicidade" de alguns países da UE no envio de indivíduos para esta prisão norte-americana.
Prevenir uma possível catástrofe humanitária
Os eurodeputados já formalizaram o papel da UE no acolhimento de refugiados de Guantánamo, através de duas soluções. Na primeira, adoptada em 16 de Fevereiro de 2006, apelaram ao encerramento do centro de detenção da Baía de Guantánamo e que cada prisioneiro seja tratado de acordo com o direito internacional humanitário e julgado, sem mais demoras, no quadro de uma audiência pública e justa, perante um tribunal competente, independente e imparcial.
Numa resolução adoptada em 12 de Dezembro de 2007, o PE solicitou ao Conselho e à Comissão o lançamento de uma iniciativa a nível europeu e internacional, para reinserção dos prisioneiros de Guantánamo oriundos de países terceiros, que não podem ser repatriados para os seus países de origem sem correrem o risco de perseguição ou mesmo de torturas.
Tal como explicou a eurodeputada francesa Hélène Flautre (Verdes/ALE), vice-presidente da subcomissão parlamentar dos Direitos Humanos, o papel da Europa seria igualmente o de evitar uma possível crise humanitária. Na sua opinião, o PE deve continuar a pressionar os Estados-Membros da UE para que aceitem os prisioneiros libertados e ameaçados de repatriamento para países que não respeitam os direitos humanos.
Enquanto se aguarda uma resposta colectiva, os eurodeputados propõem uma gestão caso a caso, destinada a identificar os países susceptíveis de acolher os refugiados em perigo.
Isto porque, referiu a eurodeputada inglesa Sarah Ludford, "devemos salvar as pessoas dos limbos legais e diplomáticos, porque estamos perante uma necessidade urgente de encontrar uma solução humanitária".
Até ao presente, apenas a Albânia, o Reino Unido e a Suécia afirmaram a sua intenção de acolher em solo nacional os detidos libertados da Baía de Guantánamo.
Para saber mais:
- Programa da audição
- Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos internos
- Subcomissão dos Direitos Humanos
- Resolução do Parlamento Europeu, de 12 de Dezembro de 2007, sobre a luta contra o terrorismo
- Resolução do Parlamento Europeu sobre Guantánamo