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Date :  2003-06-05
langue :  Portugais
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Tradições e filosofia da diversidade cultural

Source :  Antonio Sidekum


Unidade e Diversidade

Já nos seus primórdios, a filosofia, defronta-se com o tema da unidade e diversidade, cuja dimensão epistêmica alcança uma tradição que perpassa a história ocidental desde a Odisséia de Ulisses, que navega os mares inseguros com a consciência de que ele é "o mesmo de e para sempre" face à diversidade e multiplicidade, ele navega pelo uno e pelo diferente, anda na certeza e tem consciência plena, pela memória da totalidade, que poderia ser induzido a ultrapassar a fronteira da incerteza ameaçadora "de sua consciência ética e de perder seu ethos de ser sempre o mesmo". Essa Odisséia é a gênese da trajetória da tradição filosófica que se estende até à consciência da diversidade complexa da pós-modernidade.

E, assim, entre as principais formulações filosóficas que partem dos pré-socráticos econflitivamente estendem-se até a reflexão sobre a interculturalidade, tematizada nos dias atuais, o problema da identidade e diversidade tem se destacado principalmente a partir da cosmovisão múltipla na qual se insere a vida humana. Esta cosmovisão transfigura-se entre os diversos processos históricos. Vivemos num único mundo, porém do mesmo temos cosmovisões (Weltanschauungen) distintas. Tem um pressuposto teórico-filosófico peculiar e que se compreende pela chamada tradição e filosofia da diversidade cultural, e como filosofia, seria esse modo peculiar de situar-se na unidade e na multiplicidade. É isso o caráter da fundamentação da identidade e diversidade cultural. Pois, segundo a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade cultural: "A cultura adquire formas diversas a través do tempo e do espaço. Esta diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade das identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero, tão necessária como a diversidade biológica para os organismos vivos. Neste sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em benefício das gerações presentes e futuras". (Artigo 1).

Trata-se, aqui de um novo imperativo que é de considerar a identidade cultural já numa perspectiva da interculturalidade que cria e consolida um modo próprio de pensar e de refletir. Esse mesmo modo de pensar e refletir sobre o humano e o mundo já o encontramos desenvolvido nas antigas escolas das colônias gregas, mormente na Jônia. É uma maneira peculiar como se reflete sobre o mundo, sobre o homem e sobre a história dos mesmos. Através da filosofia quer-se buscar o princípio explicativo e constitutivo da realidade do ser. É a passagem do mito à razão. Esse modo de refletir e de pensar é fundamentado no modo da compreensão do logos. E encontramos já entre os pensadores pré-socráticos observações sobre a identidade e a diferença. Com a multiplicidade, o ser humano reclama a variabilidade das coisas. O ser humano percebe que tudo é vão e passageiro e sabe que até as suas obras serão situadas em tempos de rápida passagem.

A identidade não faz apenas referências ao mundo, porém à forma como vive o ser humano na sua maneira de idear e de manipular o seu mundo histórico e também, o seu modo como ele constrói sua projeção introspectiva e estética do mundo. A maneira de buscar uma compreensão fundamentada em mitos reflete já a construção intelectual do mundo a partir de constructos arquétipos, que por sua vez são justificantes do modo de refletir a sua cosmovisão (Weltanschauung).

Este constitutivo dos arquétipos e da necessidade da reflexão mítica, teológica e racional sobre o mundo fundamenta-se na tentativa da compreensão do enigma da consciência de si e de seu mundo histórico, como também da tentativa de superar as forças antagônicas e terríveis que o destino (moira) impõe à história do próprio ser humano. Diante de sua incapacidade de defender-se face às agruras forças opositórias da natureza e face à consciência de sua incapacidade de superar o absurdo do destino. O ser humano desperta para os mecanismos de autodefesa e ao descobrir-se como um ser necessariamente social, instaura, a partir de sua convivência gregária, também a sua identidade que se reflete no processo de formação do seu grupo. Tais perspectivas se explicam pela crença nos mesmos mitos, nos mesmos deuses e, mais tarde, no próprio monoteísmo como forma de autodefesa real e ideológica do próprio grupo, enquanto realidade histórica. Assim, tudo quanto há de causal e imprevisível na natureza ou na vida humana é atribuído também à vontade dos deuses, aos seus caprichos, que às vezes são volúveis e terríveis. A natureza humana é dominada pelas mais violentas paixões que faz ao mesmo tempo com que os acontecimentos fatais e infalíveis sejam atribuídos a uma força (Destino, Moira), à qual o próprio querer divino está submetido.(1)

A identidade e a diferença apresentam-se como princípios do pensamento. A tentativa de se compreender biológica e socialmente a realidade das coisas e dos meios para assimilar as mesmas, partem de uma pré-concepção do processo da possibilidade de uma identidade e da diferenças. Identificar significa reconhecer um objeto através de determinação de invariáveis, isto é, características que determinam a coisa na sua mesmidade, na sua unidade e na sua individualidade, como tal, durante o tempo de sua existência. Diferenciar significa estabelecer variações que não são determinantes a um objeto como indivíduo, mas que determinam uma mínima lógica que pressupõe um preparo de informações como racionalização primeira e originária da natureza.(2)

A identidade e a diferença implicam num desenvolvimento de processos dialéticos. Heráclito fundamenta uma tradição do si mesmo (Tauton) como um processo categorial da compreensão.(3) Esta afirmação pode-se ler em seu fragmento: “Aos que entram nos mesmos rios outras e outras águas confluem; almas exalam do úmido”.(4) “O frio fica quente, o quente frio”.(5) Aqui as contradições polares serão interligadas. Para que possam ser compreendidas a harmonia e a justiça. A mudança e a transformação da realidade das coisas é, segundo Heráclito, um processo que se pode compreender como um círculo vicioso.

Para Platão, a temática da identidade e da diferença, desenvolve-se no problema do uno (hen) com os muitos (polla), que se interligam através de uma lógica sem contradições. Platão parte da compreensão de que as idéias possibilitam uma comunidade (koinonia ton genon) nos quais os conceitos não se misturam, mas mantém a sua identidade. Assim, é possibilitada a Platão a determinação das relações dos conceitos gerais “entes” (on), “estática” (stasis) e “movimento” (kinesis) como conseqüência, que o ente está em relação com os dois conceitos (Sofista254). Por outro lado, os conceitos movimento e estática serão entre si distinguidos, isto é, são idênticos entre si e participam de formas diferentes na sua constituição e na sua interrelação (na sua reciprocidade harmônica) : a estática no movimento e vice-versa. Os conceitos de movimento e de estática mantêm-se reciprocamente relacionados como ser e não-ser, forçosamente, voltado para a idéia do ente (ousia), no qual, possuem apenas parte, mas com os quais não são idênticos. Nesse sentido, o não-sendo recebe uma determinação positiva, no sentido de ser outro, respectivamente, sendo diferente (Sofista 259). O “Ser” será compreendido como uma unidade do uno e da multiplicidade a partir do determinado e do indeterminado. No diálogo Philebos, o idêntico (tauton) será determinado como uno e múltiplo, possibilitando inclusive o conceito positivo de identidade como também o conceito de espécie, no qual se explicita o uno positivo e o múltiplo negativo (unidade-multiplicidade).(6)

Platão desenvolve em seu pensamento a preocupação em torno do ser idêntico e do ser diferente. Na filosofia ocidental, encontramos como paradigma permanente o pensamento do idêntico. Na perspectiva de uma hermenêutica da concepção e da manifestação da cultura, encontramos a filosofia inserida numa tradição que se depara com a diversidade cultural. A realidade das coisas do mundo não será compreendida apenas como uma diversidade em si, mas como um todo, assim, realidade da cultura que baseia seus fundamentos na diversidade, será considerada como uma síntese de herança de toda humanidade. A filosofia, ao encontrar-se na fronteira constante da consciência histórica, será também uma filosofia da diversidade cultural. A diversidade cultural, segundo a UNESCO, é o patrimônio comum da humanidade.



Tradições e filosofia da diversidade cultural

Como acima nos referíamos à dimensão grega da filosofia, poderemos, agora, destacar outra vez que o logos é grego.(7) e em sua compreensão constitutiva conceptual é incapaz de reconhecer o que é diferente. Observamos isto no paradigma mítico de Ulisses, que perpassa em sua Odisséia com uma única certeza de que ele jamais será diferente. Ulisses é rei de Ítaca e esta é a sua certeza absoluta que lhe impossibilita cogitar ou reconhecer a possibilidade de ser diferente. Da mesma forma, não há o reconhecimento da alteridade. O que existe é o idêntico, o mesmo.(8). Fora da compreensão da identidade do mesmo será impossível o reconhecimento do outro modo de ser. No pensamento ocidental, deparamo-nos, no que se refere ao problema do modo de ser idêntico e do modo de ser diferente, com uma perspectiva instauradora de crise face ao seu próprio modo de ser, assim, interrogamos sobre o como tomar conhecimento da existência do outro que não se encontra no modo de ser da minha identidade.(9)

Durante o período moderno, a filosofia tem-se caracterizado pelo processo de estabelecer a identidade a partir do cogito .(10) e da subjetividade, que se poderiam explicitar pela egologia e pelo verdadeiro egocentrismo. Este conceito estende-se ao problema da constituição do pensamento grego: o discurso do lógos e a barbárie. Um outro processo que se deriva deste egocentrismo, se reflete em proporções excludentes na cultura ou na civilização, o que chamamos de eurocentrismo. Durante séculos de expansionismo, de imposições e de dominação cultural, o egocentrismo destruiu, principalmente nas outras civilizações, o princípio da identidade, excluindo do mundo de sua lógica todos os que não pensavam dentro do lógos ocidental.

Por esse trajeto, a filosofia torna-se tradição e defronta-se sempre com a diversidade cultural. Essa confrontação com a diversidade cultural no jogo dos conflitos políticos. Assim, como foi abordada por Leibniz, na sua missão em Paris, em 1672, pretendendo convencer o rei Luís XIV a conquistar o Egito, aniquilando dessa forma, a Turquia e protegendo a Europa das invasões "bárbaras". Esta ação poderá ser caracterizada como uma forma de mundialização concretizada pelas diferentes conquistas do pensamento grego, como filosofia, que se delineia em sua paidéia conflictiva, na sua concepção de Civilização e de Barbárie e na aceitação e exclusão da alteridade do outro. O que se poderia explicitar melhor pelo princípio dos indiscerníveis que daria conta da multiplicidade e individualidade das coisas existentes. E Leibniz afirma que não há no universo dois seres idênticos e que sua diferença não é numérica nem espacial ou temporal, mas intrínseca, isto é, cada ser é em si diferente de qualquer outro. A diferença é de essência e manifesta-se no plano visível das próprias coisas. A vida é em si mesma sempre cursiva, em razão do caráter orgânico do homem e de sua imersão no futuro do universo inteiro. A vida humana é uma projeção na historicidade. É a constante criação e de evocação de tradições. A história como tradição tradente. As tradições são as diversas formas do transcurso da mitologia, da teologia, da cosmovisão e do antropocentrismo. Desde logo, a filosofia experimenta uma inserção no tempo histórico. O ser humano como realidade temporal se vê sempre imerso no âmbito da temporalidade, constrói sua vida na tradição cultural, ou seja na temporalidade. As tradições fundamentam-se na memória e são parte constitutiva do ethos humano. A ética como estágio da vigilância do esquecido.



Filosofia intercultural e Filosofia da diversidade cultural

Para Raúl Fornet-Betancourt.(11) a história da filosofia – sobretudo a tradição filosófica que nos é transmitida pela historiografia acadêmica – não servirá, certamente, como a medida integral da filosofia; no entanto, temos que aceitar o fato de que alguém consultar a referida história da filosofia, mesmo de forma sumária, poderá extrair dela o convencimento fundado de que a filosofia faz boa parte de sua história na base de processos de transformação pelos quais se localiza tanto teórica como contextualmente. De modo que se pode dizer que a história da filosofia é (também) a história de suas transformações. Essas transformações são encontradas dentro de uma contextualização de diferentes tradições, ou seja na diversidade cultural. Essa diversidade cultural é reconhecida pela filosofia como uma tradição de constantes transformações. E a filosofia será aqui compreendida como filosofia intercultural. É inserir a própria filosofia no contexto da tradição e da transformação histórica da própria filosofia. A filosofia intercultural nessa história das transformações da filosofia.

Segundo Fornet-Betancourt trata-se, fundamentalmente, de uma proposta pragmática para uma nova transformação da filosofia. Busca-se uma nova configuração da filosofia ou, melhor dito, do filosofar; já que não se pretende simplesmente uma re-configuração da filosofia como disciplina acadêmica, mas também uma renovação da atividade filosófica, da tarefa filosófica em geral, tendo em conta, precisamente as distintas práticas do filosofar com que se confrontam as tradições culturais da humanidade como filosofia da diversidade cultural. O que deve ficar claro quando falamos de filosofia intercultural, é que esta, como se desprende do aspecto já assinalado, não representa uma nova área temática que viria complementar as disciplinas específicas da filosofia tradicional, como o fez por sua vez, por exemplo, a filosofia da técnica; e por isso tampouco se deve confundir com ela, a saber, a filosofia da cultura. Pois, a filosofia intercultural, ainda que também o faça, não tem seu eixo de desenvolvimento nem sua preocupação central na análise das culturas ou no intuito de facilitar uma compreensão filosófica das culturas. Sua atenção centra-se melhor na busca de pistas culturais que permitam a manifestação polifônica daquilo que chamamos filosofia desde o multiverso das culturas.

O que é necessário esclarecer é que a filosofia intercultural não é um fenômeno isolado, produto de alguns filósofos que querem lançar uma nova moda, mas que se deve compreende-la como parte articulada em seu movimento multidisciplinar e internacional de pensadores e pesquisadores que tratam de afrontar um dos maiores desafios que nos coloca nosso mundo histórico atual: o desafio da convivência solidária – e não apenas pacífica – entre seres humanos da mais distinta procedência cultural, e vinculados, em grande parte, a tradições e identidades religiosas fortes, num mundo marcado por estratégias globalizadoras que os “aproxima” (sobretudo virtualmente) e que os “engloba” como “destinatários” de todo tipo de “mensagens” na “rede”, mas que não necessariamente os comunica enquanto sujeitos que se reconhecem e que tornam próximo.(12)

De sorte que a filosofia intercultural se alicerce num movimento alternativo de grande alcance que persegue, em suma, um objetivo duplo; pois, por um lado, trabalha-se na cristalização de uma mudança de paradigma a nível “teórico” ou “científico” que permita não somente uma nova constelação dos saberes da humanidade, mas também um diálogo aberto em escala mundial sobre os ideais (valores?) que devem guiar nossa pesquisa científica, ou dito de maneira mais simples, sobre o que queremos e ou devemos saber realmente; e, por outro lado, trata-se de complementar esse giro paradigmático a nível “teórico” com a proposta prática de reorganizar o mundo globalizado fazendo valer, contra as forças dominantes e niveladoras da globalização atual dominante, que no mundo existem povos que fazem mundo em plural e que o futuro da humanidade, por tanto, também pode ir pelo rumo da solidariedade entre mundos reais que se respeitem, isto é, de uma humanidade solidária que convive em muitos mundos. "Por isso, para Raúl Fornet-Betancourt, este movimento se expressa hoje, com igual força, tanto ao nível do que poderíamos chamar a produção científica, como a nível prático – político. É evidente, que no marco deste breve estudo não poderei demorar-me na apresentação detalhada das múltiplas formas de expressão deste movimento. Porém, para ilustrar ao menos em forma exemplar sua dimensão multidisciplinar, permito-me anotar algumas das áreas em que o movimento intercultural alcança, hoje, expressões muito representativas: Antropologia.(13), Comunicação.(14), Direito.(15), Educação.(16), Filologia.(17), Pedagogia.(18), Psicologia.(19) ou Teologia.(20). E pelo que faz em suas expressões em nível prático-político, basta, agora, ver como remeter a sua presença e incidência em foros internacionais da UNESCO.(21) ou do Fórum Internacional das Alternativas.(22)"

Nas diversas passagem da filosofia intercultural encontramos distintas práticas do filosofar com que nos confronta a diversidade das culturas. Ainda segundo Fornet-Betancourt existe, pois”, filosofia “não porque haja um modelo paradigmático que se expande e globaliza, mas porque existem” práticas culturais “de filosofia como exercício concreto de pensar que se encarrega de sua contextualidade e historicidade”. A hipótese de que as culturas são lugares filosóficos, lugares que possibilitam práticas específicas disso que se chama filosofia, implica que se parte da necessidade de desocidentalizar a filosofia desde sua origem, isto é, “desde o beco”; mas não por um afeto antiocidental nem para obter méritos ao ocidente, já que essa desocidentalização significa simplesmente um por o ocidente em seu lugar; isto é, vê-lo como um lugar de tradições complexas que, desde sempre, estão em relação com outros mundos e que, enquanto tal, não é o lugar de toda filosofia possível, mas o lugar de certas possibilidades de filosofia.

Alteridade e Filsofia da Diversidade Cultural


Conclui-se que se podem compreender as culturas como uma síntese de elementos inovados, transportados, assimilados num processo histórico, em que algumas variáveis podem ser definitivas em manter a identidade cultural embora, alguns venham a ser fatais para a subsunção de muitos elementos de uma determinada cultura.

A diversidade cultural implica numa nova formulação filosófica e metodológica da historiografia na pesquisa da subjetividade e da formação do êthos cultural. O tratado e o discurso sobre a diversidade cultural implicam sempre um dialogo entre as culturas. Assim, não se deve esquecer que a cultura se realiza no âmbito dos sujeitos históricos concretos, como sujeitos coletivos que dão e seguem dando vida à cultura.

Em grande parte pelo desenvolvimento da problemática da identidade e da interculturalidade foi possível elevar o reconhecimento da Diversidade Cultural ao nível da discussão acadêmica. Este processo ensejou-se com o desenvolvimento da Antropologia e da Educação. As principais reformulações hermenêuticas sobre as fontes dessa problemática aconteceram nas últimas décadas, graças à utilização de uma nova metodologia da pesquisa histórica. Poderiam ser destacadas as inúmeras dimensões desafiadoras do uso do método da história oral, e por outro lado, a introdução do conceito de alteridade na filosofia e na literatura que trata da filosofia hermenêutica. Essas categorias são empregadas, principalmente, para fundamentar as diversas formas de reconhecimento da alteridade absoluta do Outro.

Sem o reconhecimento da alteridade absoluta do outro homem a experiência ética seria um capítulo da ontologia do materialismo dialético e da ontologia econômica, o que, entrementes, se busca é, justamente, a superação do materialismo dialético pelo materialismo histórico. O sujeito reconheceria o outro como um igual, como alguém mais poderoso ou menos hábil, e, dependendo disso, faria seus cálculos e estabeleceria a relação que mais lhe conviria: poder seria como um pacto e uma forma de submissão. Na interculturalidade, face ao paradigma da Diversidade Cultural como método hermenêutico da compreensão do êthos cultural do sujeito histórico, ou seja, da subjetividade em si e do objeto da pesquisa historiográfica trata-se, no entanto, da compreensão do ainda-não-dito. Trata-se de encontrar um paradigma para a compreensão do mundo no qual se movem os atores da história dos mesmos na compreensão da delimitação ôntica do mundo. Entende-se por atualidade, na perspectiva teleológica, a sempre presença da relação da unidade e multiplicidade na construção de uma subjetividade protagonista, como autor consciente e transformador da história. A dificuldade reside na possibilidade de uma interpretação segura, pois, a própria metodologia da hermenêutica envolve implicações de extrema subjetividade e de uma enorme relatividade. A Diversidade Cultural tem como a garantia os Direitos Humanos: "A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético,, inseparável do respeito da dignidade da Pessoa Humana. Ela supõe o compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em paerticular os direitos das pessoas que pertencem a menorias e dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para vulnerar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance." (art.4.) Nessa perspectiva hermenêutica, que é a invocação dos Direitos Humanos, poder-se-ia perguntar sobre a forma consciente como interpretamos o mundo, ou seja, questionar o modo como nos responsabilizamos pelas nossas atitudes, pelas nossas representações culturais e pelo nosso imaginário intercultural.

Existe uma consciência derivada do saber prático da presença histórica das tradições e da filosofia da diversidade cultural. É essa uma das muitas experiências que fazemos em nosso cotidiano quando se trata do contexto da práxis histórica na qual estamos compartilhando vida e cosmovisões históricas na relacionamento para com o outro. Tratar-se-ia, assim, de cultivar esse saber prático de maneira reflexiva e com um projeto para organizar nossas culturas alternativamente a partir do outro, para que, assim, universo da Diversidade Cultural se converta numa qualidade ativa em nossas culturas. A visão da Diversidade Cultural e da interculturalidade implicará numa qualidade da afirmação do ser humano como ser histórico, que se manifesta nos espaços e etapas das diferentes culturas. Essa concepção denota uma imprescindível concepção histórica da cultura. As culturas desenvolvem-se sempre em condições contextuais determinadas como processos abertos em cuja base se encontra o princípio do tratamento, da interação e comércio para com o outro. As culturas sempre são processos em fronteiras. Na perspectiva inovadora, essa fronteira é uma experiência básica de estar em contínuo trânsito. Não se trata, aqui, de uma fronteira que demarcaria o território próprio, que traçaria o limite entre o próprio e o alheio como um limite que marcaria o fim do próprio e do começo do alheio, deixando assim o alheio do outro lado da fronteira. Não seria isso. Essa fronteira se produz e se estabelece no interior mesmo daquilo que chamamos de nossa própria cultura. O outro está dentro, e não fora do nosso contexto cultural. Isso é o princípio fundamental do reconhecimento da Diversidade Cultural face à educação. O reconhecimento da Diversidade Cultural requer um instrumento hermenêutico fundamental para compreender os alcances da globalização do mundo contemporâneo e servirá como proposta para enfrentarmos os grandes problemas do resgate de nossa identidade e de garantirmos o respeito dos Direitos Humanos. O impacto fundamental diz respeito à política e ao meio econômico. Esse impacto é constatado fundamentalmente nas estruturas sociais e nos valores da sociedade contemporânea que está sempre em rápida transformação que pode ser real e virtual. Segundo o Doicumento da Declaração Universal da UNESCO, pode-se destacar: "Ao mesmo tempo em que se garante a livre circulação das idéias mediante a palavra e a imagem, deve-se procurar que todas as culturas possam expressar-se e dar-se a conhecer. A Liberdade de expressão, o pluralismo de todos os meios de comunicação, o multilingüismo, a igualdade de acesso às expressões artísticas, o saber científico e tecnológico - compreendida sua forma electrônica - e a possibilidade, para todas as culturas, de estar presente nos meios de expressão e de difusão, são as garantias da diversidade cultural."(art. 6.).



1.“Michel Federico SCIACCA. História da Filosofia, Antigüidade e Idade Media. S Paulo : editora Mestre JOU s.d. p.24
2. idem. “ é a primeira explicação racional, ainda que grosseira e simplista do cosmos e da sua origem, isto é, a primeira tentativa que, mais que dar ordem ao mundo, traduz o mito em termos racionais, uma vez que a ordem da natureza é divindade ordenadora.”.
3. idem: “O logos tem domínio sobre tudo. Princípio gerador, não exclui ele a luta e a discórdia. Da unidade saem os opostos e vice-versa.
4. Ver em col. Os Pensadores. Pré-socráticos. S. Paulo : Abril cultural, vol. I , 1973 p.90. Frag.49a.”Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos.”
5. “ver também o fragmento 88. “O mesmo é em nós vivo e morto, desperto e dormindo, novo e velho; pois estes, tombados além, são aqueles e aqueles de novo, tombados além, são estes.”
6.“O problema da relação entre o uno e os muitos, que se impõem para poder compreender as relações subsistentes entre diferentes Idéias e para explicar a sua derivação de um princípio primeiro, volta a se propor, como já acenamos, também no nível da explicação das relações subsistentes entre as próprias Idéias e as coisas sensíveis.” Giovanni REALE. Para uma nova interpretação de Platão. S. Paulo : Loyola, 1997.p.154
7. idem p. 181. onde se trata da síntese da tríplice valência do Uno.
Ver Leopoldo ZEA. Discurso desde la marginación y la barbarie. Barcelona : Anthropos, 1987. p. 31.
8. ver em E LEVINAS. Totalidade e infinito. Lisboa : ed. 70. 1980.”A identidade universal em que o heterogêneo pode ser abrangido tem a ossatura de um sujeito, da primeira pessoa.” P. 24
9. ver em Paul RICOEUR. O si-mesmo como um outro. Campinas : Papirus, 1991.
10. idem. ” O pensamento universal é um “Eu penso”. p.24
11. Raúl Fornet-Betancourt. Interculturalidad y filosofía en América Latina. Aachen: Mainz- Wissenschaftsverlag, 2003. pp. 9-23. Insiro como citação, com pequenas alteraçõs, quase todo o texto: Introducción: Supuestos, límites y alcances de la filosofía intercultural.
12. Cf. Paul Ricoeur, Histoire et verité, Paris 1955, especialmente pp. 99 e sgs.
13. Cf. Guillermo Bonfil Batalla (Comp.), Hacia nuevos modelos de relaciones interculturales, México 1991; Gunther Dietz, El desafío de la interculturalidad, Granada 2000; Karl H. Hörning/Rainer Winter (Eds.), Widerspenstige Kulturen, Frankfurt/M. 1999; y Hector Rosales Ayala (Coord.), Cultura, sociedad civil y proyectos culturales en México, México 1994.
14. Cf. E.A. Garcea, La comunicacizione interculturale, Roma 1996; Birgit Apfelbaum/Hermann Müller (Eds.), Fremde im Gespräch, Frankfurt/M. 2000; V. Aithal/N. Schirilla/H. Schürings/S. Weber (Eds.), Wissen – Macht – Transformacion, Frankfurt/M. 1999; y R.L. Wiseman, Intercultural Comunication Theory, Los Angeles 1995.
15. Cf. Ileana Almeida/Nidia Arrobo (Eds.), En defensa del pluralismo y la igualdad, Quito 1998; J. de Lucas, “Derechos humanos – Legislación – Interculturalidad”, en Revista de Documentación Social 25 (1994) 73-90; G. Orsi/H. Seelmann/S. Smid/U. Steinvorth (Eds.), Recht und Kulturen, Frankfurt/M. 2000; José A. Pérez Tapia, “¿Identidades sin frontera? Identidades particulares y derechos humanos universales”, en P. Gómez Garcia (Coord.), Las ilusiones de la identidad, Madrid 2000, pp. 55-98; y Rodolfo Stavenhagen, “Derechos indígenas y derechos culturales de los pueblos indígenas”, en Ursula Klesing-Rempel (Comp.), Lo propio y lo ajeno, México 1996, pp. 71-96; sin olvidar los trabajos de J. Habermas y O. Höffe.
16. Cf. Xavier Albó, Iguales aunque diferentes, La Paz 1999; Centro Boliviano de Investigación y Acción Educativos (Ed.), Diversidad Cultural y procesos educativos, La Paz 1998; Ursula Klesing-Rempel (Comp.), Lo propio y lo ajeno. Interculturalidad y sociedad multicultural, México 1996; y M. Zúñiga/J. Ansión, Interculturalidad y educación en el Perú, Lima 1997.
17. Cf. Annette C. Hammerschmidt, Fremdverstehen, München 1997; Carlos Lenkersdorf, Los hombres verdaderos. Voces y testimonios tojolabales, México 1996; y Alois Wierlacher (Ed.), Das Fremde und das Eigene, München 1985.
18. Cf. Maria Heise (Ed.), Interculturalidad. Creación de un concepto y desarrollo de una actitud, Lima 2001; Clemens Niekrawitz, Interkulturelle Pädagogik im Überblick, Frankfurt/M. 1990; así como el anuario “Pädagogik: Dritte Welt”, Frankfurt/M. , Editado por Patrick V. Días, uno de los pioneros de la pedagogía intercultural.
19.Cf. Karl Peltzer, Psychology and Health in African Cultures, Frankfurt/M. 1995; Alexander Thomas, Kulturvergleichende Psychologie, Göttingen 1994; y A. Thomas (Ed.), Psychologie interkulturellen Handelns, Göttingen 1996.
20. Cf. Virgilio Elizondo, “Condiciones y criterios para un diálogo teológico intercultural”, en Concilium 191 (1984) 41-51; Hans Kessler (Ed.), Ökologisches Weltethos im Dialog der Kulturen und Religionen, Darmstadt 1996; y Thomas Schreijäck (Ed.), Menschwerden im Kulturwandel, Luzern 1999. Cabe destacar que la Facultad de Teología Católica de la Universidad de Frankfurt ofrece una especialidad en “Theologie interkulturell” y que edita además una serie de monografías con ese título.
21. Cf. Unesco (Ed.), Introduction aux études interculturelles, Paris 1980.
22. Cf. “Manifiesto del Foro Internacional de las Alternativas”, en Pasos 76 (1998) 33-35. Ver también Raúl Fornet-Betancourt, “Interkulturelle Beziehungen als Gegenmodell zur Globalisierung”, en OEKOS (Ed.), Globalisierter Markt – Ausgeschlossene Menschen, Sankt Gallen 1997, pp. 15-17; y Antonio Sidekum (Ed.), Corredor de Idéias. Integração e globalização, São Leopoldo 2000.


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