Desde os anos 1990, com a transição pós-comunista e a progressão constante da globalização, tornou-se cada vez mais necessário fazer a distinção entre os Estados reais, virtuais e futuros, que ainda são muitas vezes, e não sem razão, qualificados de Estados-nações. A possibilidade de impor o pensamento dos Direitos humanos na política e no direito internacional é um dos desafios atuais, cuja influência será decisiva para a nova essência do Estado-(“nação”). Como esta tentativa é eminentemente neoliberal, pode-se falar de uma extensão neoliberal do direito internacional.
Esta idéia de uma extensão da concepção neoliberal dos Direitos humanos até a regulação do direito internacional diz respeito tanto aos debates sobre a essência da questão, quanto às formas diversas da experiência política num novo espaço político desde já determinado em grande parte pela globalização, e marcado por uma “desvalorização do político”. Essa extensão surge como uma redistribuição do poderio político dos níveis nacionais numa nova escala, ao mesmo tempo virtual e ainda estranhamente indefinida: a dos atuais representantes dos Direitos humanos. Uma outra conseqüência da mundialização da vida política reside na internacionalização crescente das atividades dos políticos. Entretanto, é preciso evitar fazer uma associação precipitada entre direito internacional e globalização, pois a globalização é uma realidade que pode ser deduzida unicamente por reconstituição: um resultado teórico que se manifesta em forma de várias realizações concretas. Esta hipótese significa que não apenas várias reformas do direito internacional no processo de globalização atual seriam possíveis, mas também que a extensão neoliberal do direito internacional por meio dos Direitos humanos pode assumir várias formas concretas.
A extensão neoliberal do direito internacional está profundamente ligada a uma forma concreta da globalização, significante do ponto de vista da política mundial, e portanto ela não está especialmente associada à globalização. Na percepção intelectual do complexo neoliberal, parece haver uma grande diferença entre as esferas da política e da economia. O interesse do complexo neoliberal para a extensão do direito internacional por meio da ideologia dos Direitos humanos encontra-se nesse espaço indeciso onde a política transforma-se em economia e onde a economia torna-se política, ou seja, no centro do problema da dualidade entre política e economia.
A lógica da extensão do direito internacional por meio da ideologia dos Direitos humanos pode ser comparada, em princípio, à de uma política neoliberal num Estado-nação. Ela consiste em aplicar em cada Estado as normas da teoria democrática que, por um lado, baseiam-se nos Direitos humanos e que, por outro lado, permitem controlar de modo contínuo o respeito dos Direitos humanos como fundamento da legitimidade própria dos Estados. De acordo com esta lógica, o mundo pode então ser considerado como um único e vasto Estado homogêneo. Conseqüentemente, qualquer violação dos Direitos humanos num determinado Estado, qualquer que seja ele, é vivida e interpretada como sendo cometida em qualquer outro Estado.
A idéia da integração dos Direitos humanos no centro da política e do direito internacionais é antiga e muito difundida – ela não está obrigatoriamente ligada às renovações liberais ou neoliberais. Entretanto, pode-se constatar uma certa afinidade entre o (neo)liberalismo e sua instrumentalização política devido à própria substância da ideologia dos Direitos humanos. Mas, a partir dos anos 1980, uma ligação extremamente forte foi estabelecida entre a ideologia dos Direitos humanos e o neoliberalismo. Não é de se admirar, portanto, que a concepção de uma extensão do direito internacional pelos Direitos humanos comece com o complexo neoliberal e anticomunista.
Graças à virada histórica de 1989, o neoliberalismo obteve uma nova legitimidade cujo destino continua, entretanto, extremamente frágil, principalmente no que diz respeito às questões de pressões, sanções ou atos de violência. Efetivamente, suas violações – sempre possíveis – são susceptíveis a qualquer momento de enfraquecer, e até mesmo de reduzir a nada essa nova legitimidade inicialmente forte. A posição desse “Estado”, que continua sendo a única superpotência graças à vitória mundial dos direitos humanos, parece bem delicada, já que não pode colocar a legitimidade da ideologia dos Direitos humanos a serviço dos seus interesses particulares sem, ao mesmo tempo, destruir sua própria legitimidade.
A extensão do direito internacional por meio dos Direitos humanos conduz a uma unidimencionalização neoliberal do Estado, graças à qual os atores supranacionais ganham claramente uma vantagem em relação aos atores nacionais. Em princípio, a internacionalização do pensamento dos Direitos humanos que se encontra no centro desse debate não pode ser questionada, pois os Direitos humanos são verdadeiros valores fundamentais, tanto no sentido humanista quanto na teoria democrática. Entretanto, numerosos argumentos sérios vêm contradizer a posição que considera essa extensão como uma solução incontestável e definitiva para a política tanto quanto para o direito.
Mesmo se a integração dos Direitos humanos no direito internacional, cuja realização pelo menos será legítima, tomar um caminho perigoso, o respeito simultâneo de três princípios gerais permitiria certamente fugir dessa questão muito sensível da legitimidade:
1. a exigência de uma uniformidade do julgamento, da interpretação e da execução das ações;
2. a exigência de uma sincronização da categorização das regiões e dos atores, do tempo e da rapidez de ação, que permite evitar a suspeita de que a escolha do tempo da ação foi feita em função de interesses particulares;
3. a exigência de um modelo consensual a respeito das ações internacionais motivadas pelos Direitos humanos.
Todos esses problemas demonstram que uma legitimação correta e irrepreensível da extensão do direito internacional leva – o que na verdade é surpreendente – à questão da introdução de um novo sistema político internacional, sistema que no entanto não parece desejável. O problema aqui evocado reside, ainda e sempre, na ausência de um sistema de instituições capaz de levar em conta de um modo adequado as novas realidades do mundo globalizado.
(Este artigo foi editado a partir de um versão longa redigida pelo mesmo autor, que pode ser visitada em alemão seguinte endereço: Menschenrechte und Menschen im Strome der Globalisation)