As populações dos países do terceiro mundo gastam uma parte importante dos seus rendimentos em alimentos e estão a ser gravemente afectadas pela crise alimentar mundial. No dia 10 de Setembro, a comissão do Desenvolvimento vai debater com diversos peritos internacionais a proposta de reafectação de fundos não utilizados do orçamento agrícola da UE, para incentivar a produção de alimentos nos países em desenvolvimento e prestar auxílio alimentar imediato.
O relatório que elaborou defende a reafectação de fundos destinados à política agrícola da UE para ajudar os países em desenvolvimento durante a crise alimentar. Qual a necessidade dessa reafectação e de que modo devem os fundos ser utilizados?
"Em primeiro lugar, estes fundos estão disponíveis no Orçamento da UE em caso de diminuição do preço dos produtos agrícolas. Uma vez que os preços não diminuíram, o dinheiro não está a ser utilizado e, em princípio, deverá ser devolvido aos Estados-Membros da União Europeia. No entanto, existe um grave problema nos países em desenvolvimento e têm-se registado incidentes violentos relacionados com a falta de alimentos. Alguns dos países com tradição na exportação de arroz, por exemplo, passaram a ter que o importar. No ano passado, o preço dos alimentos aumentou mais de 40% e todos nós podemos constatar esse aumento nos preços praticados pelos supermercados. Agora imaginemos o que é que esse aumento significa para as populações dos países em desenvolvimento, que já estão a sofrer de subnutrição. As estimativas indicam que para resolver o problema a médio prazo seriam necessários mais 18 mil milhões de euros. A União Europeia afirma que tentará disponibilizar 1,8 mil milhões de euros ao longo dos próximos 2 a 3 anos. Estes milhares de milhões de euros que não estão a ser utilizados na política agrícola devem ser suportados pelos Estados-Membros. Algum desse dinheiro deve ser utilizado para fazer chegar alimentos às populações, uma vez que os stocks de cereais, por exemplo, atingiram os valores mínimos de que há memória. Mas a maior parte do dinheiro deverá ser utilizada em sementes, fertilizantes e irrigação, para incentivar o desenvolvimento e a produção de alimentos nesses países."
De que forma poderá a União Europeia garantir que o dinheiro servirá, efectivamente, para fazer face às necessidades das populações?
"A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a União Europeia e diversas entidades internacionais estão a identificar os países mais pobres e carenciados. Devemos agir muito rapidamente, sob pena de já não conseguirmos ajudar as pessoas. Se votarmos a reafectação destes fundos agora, seremos capazes de reafectar 750 milhões de euros este ano, a tempo da colheita do próximo ano".
Como será feito o controlo e o acompanhamento da utilização dos fundos?
"No meu relatório defendo que o processo deve revestir-se de total transparência e responsabilidade, através de um controlo independente da forma como o dinheiro é gasto. Iremos insistir na necessidade de relatórios regulares e, uma vez que o Parlamento Europeu não quer estar envolvido em questões de microgestão, queremos ter acesso às informações antes de tomarmos decisões, para que exista uma responsabilidade perante o Parlamento Europeu".
Os europeus também estão a ser afectados pelo aumento do preço dos alimentos. Por que não ajudar as famílias carenciadas europeias?
"Antes de mais, porque nos países em desenvolvimento as pessoas morrem de fome. Trata-se, literalmente, de uma questão de vida ou de morte. Em segundo lugar, estamos a afastar-nos do cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, que têm por objectivo acabar com a fome e a subnutrição no mundo. Parece que nos temos esquecido da subnutrição. Em terceiro lugar, se conseguirmos que os países em desenvolvimento produzam mais alimentos, a situação internacional será imediatamente aliviada, o que tem vantagens para nós. Nesse sentido, existem razões altruístas e razões egoístas para o fazer."
Algumas pessoas defendem que o dinheiro está orçamentado para a agricultura europeia e que esta proposta poderá constituir um precedente perigoso em termos de reafectação de fundos. Qual a sua posição nesta matéria?
"O precedente já foi iniciado com o financiamento do Galileo e as pessoas ficam preocupadas perante a possibilidade de virem a ser feitas novas propostas deste tipo. A comissão parlamentar dos Orçamentos considera que a forma correcta de o fazer seria transferir primeiro os fundos para a rubrica orçamental de ajuda ao desenvolvimento. Outras pessoas defendem que o dinheiro deve ser devolvido aos Estados-Membros. Todas estas posições são válidas e este mês vou reunir-me com ministros dos Estados-Membros para debater as questões que se colocam relativamente a esta proposta. Mas a verdade é que temos que agir depressa. A violência relacionada com a falta de alimentos não pode ser ignorada. A União Europeia tem de demonstrar que é capaz de reagir ao que se passa no mundo. Devemos ajudar estas pessoas, que se encontram numa situação extremamente difícil".
- Para saber mais :
- Ficha pessoal de Gay Mitchell
- Crise alimentar: o que dar de comer às gerações presentes e futuras?
- Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (em inglês)
- Projecto de relatório sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui uma Facilidade de resposta rápida ao aumento dos preços dos produtos alimentares nos países em desenvolvimento