Reconhecer que a água é um bem comum e indispensável da humanidade e que, por isso, não pode ser tratada como produto; promover a gestão pública e sustentável dos recursos hídricos e lutar pela democratização das instituições multilaterais foram os principais consensos tirados da conferência “Água, bem comum”, realizada no dia 2, dentro do eixo “O acesso às riquezas e a sustentabilidade”. Participaram da conferência Riccardo Petrella, do Fórum Mundial das Águas (Itália), Glenn Switkes, da International Rivers Network, dos EUA; Pablo Solon, da Luta contra a Privatização das Águas, da Bolívia.
Medha Patkar, do Movimento de Atingidos pela Represa de Narmada, Índia, explicou que a administração corrupta e a degradação dos recursos hídricos, seu uso injusto e insensato é que causaram a atual crise da água.
Patkar destacou que todos os governos se movem para a mercantilização da água e que isso precisa ser impedido. “Esse recurso é um bem social e um direito do povo, que precisa ser afirmado e concedido pelo Estado”. Para ela, "o tema água não deve ser apenas uma discussão das ONGs ou entidades de classe, mas, sim, uma agenda permanente de todo o mundo, das pessoas comuns". E acrescentou, "a água deve ser declarada como um bem social comum e devemos cobrar das administrações públicas o seu melhor manejo. Todo o cuidado é preciso, porque não existe limite para os que desejam lucro".
Patkar apontou que a construção de milhares de barragens em países como o Vietnã, a China e a Índia é resultados de consensos entre os governos, o Banco Mundial e investidores cuja única preocupação é continuar a explorar, sem preocupação ambiental. Para a indiana, na luta contra esse movimento, não se deve esquecer o fator humano e se deve começar com quem vive diretamente da água, como agricultores, por exemplo.
Parcerias arriscadas
“Estamos aqui para militar e mudar a vida das pessoas”, disse Ricardo Petrella, do Fórum Mundial das Águas (Itália). Ele afirmou que é preciso definir um agenda de prioridades para influenciar a oligarquia atual que, nos últimos 20 anos, está promovendo a privatização da água por três meios. “O primeiro é a privatização do serviço. Na Itália, por exemplo, todas as gestoras municipais têm que se constituir como empresas privadas desde os últimos cinco anos”. Depois, a mercantilização da água, que aumenta cada vez mais. “Hoje, 65% da água potável consumida no Chipre vem da Noruega”. Por último, Petrella cita a convergência crescente entre autoridades públicas e empresas que favorecem as “parcerias”, consideradas por eles a “melhor fórmula” de participação para lidar com interesses locais. Petrella aponta que o risco dessas parcerias entre Estado-empresa é muito grande: em lugares que os governos são fracos, eles entram em cooperação com empresas privadas o fornecimento de água, que é de interesse público, acaba sendo apropriado por entidades privadas, com fins lucrativos.
Petrella explica que, nesse cenário, os atores mais importantes têm sido os Banco Mundial e as empresas. “O Banco Mundial condiciona o empréstimo de dinheiro à privatização dos serviços públicos e usa seus intrumentos para apoiar essas parcerias Estado-empresas por meio de três poderes”. O primeiro, destaca o italiano, é que essa instituição produz conhecimento sobre como pensarmos, que subsidiam nossas análises; o segundo, elas influenciam a informação e têm muita inserção nos meios de comunicação de massa. E, por último, elas definem a agenda. “São esses atores que organizam fóruns e seminários e dizem que haverá guerra por causa da água. E nós aceitamos que essa guerra é inevitável. Não é.”
Ações concretas
Para Petrella, é preciso rejeitar ideologicamente o discurso dessa oligarquia e inventar uma nova narrativa, um modo diferente de falar da água. Além disso, é fundamental apoiar as lutas locais e juntar todas contra a oligarquia. “Nós ganhamos quando estamos juntos; eles perdem quando estamos separados”.
Luís Gonzaga Tenório, da Federação Nacional dos Urbanitários, do Brasil, lembrou que “o Banco Mundial e o FMI são compostos por fundos públicos, logo, seus recursos devem ser investidos em fins privados”. Tenório destacou também sobre o perigo do discurso que afirma que terceirização não é privatização: “terceirização é perda do controle da gestão pública”.
O boliviano Pablo Solon falou sobre a guerra pela água em Cochabamba que foi vencida pela sociedade civil organizada: “a privatização foi cancelada e a água voltou à gestão pública”. Entretanto, o problema não acabou aí: “atualmente, o governo sabota a empresa pública e criminaliza os movimentos sociais contrários à privatização da água. É preciso uma articulação internacional contra essas ações”.
Para Marco Antônio, do Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), entre os pontos essenciais nessa luta estão a não construção de barragens; a solução dos problemas sociais e ambientais ocorridos em locais onde elas foram construídas, e a construção de novo modelo energético, com novas alternativas de produção energética.
Ricardo Petrella finalizou a conferência reafirmando a importância da oposição popular que surgiu. “Estamos conseguindo resultados e é importante ressaltar isso e estamos ganhando consciência de que essa luta precisa ser global”.