Ref. :  000000250
Date :  2001-02-01
langue :  Portugais
Page d'accueil / Ensemble du site
fr / es / de / po / en

Estrangeiro

Estrangeiro

Source :  Tanella Boni


Na entrada do século XXI, a fim de tornar o mundo habitável, vamos assumir o risco, por mais paradoxal que isto possa parecer, de considerar todo indivíduo como um estrangeiro, e vamos dar a ele o direito de atravessar algumas fronteiras. Ao longo dessas travessias, ele vai aprender as duras leis do mercado e as da proteção dos territórios; ele fará uma idéia, também, da existência de "redes" que constituem o mundo. Pois toda travessia é um lugar de encontro com os poderes. A cada encruzilhada, sua memória lhe dirá quem ele é, de onde vem e que mundo carrega em suas bagagens. Pois todo tipo de vigilantes, "Guardiões do Templo", vigiam as idas e vindas dos indivíduos. O estrangeiro - que nós somos - terá apenas a leveza dos seus passos como guia nos próximos caminhos a seguir.
O estrangeiro do qual falamos aqui não é o nômade que atravessa a natureza, os campos e as culturas, no sentido próprio como no figurado. Ele poderia ser o sedentário que sabe que o mundo é um conjunto de fronteiras, que o mesmo e o outro existem separadamente ou ao mesmo tempo. Pois o sedentário de hoje, vivendo na cidade ou numa aldeia, não seria ao mesmo tempo nômade espiritual e imaginariamente, nômade em sua relação com a tecnologia e com a informação? Neste sentido, ele será sempre um estrangeiro diante da informação que ele recebe, da tecnologia nova que ele utiliza, talvez por necessidade. De um continente a outro, de uma cidade para outra, e de um indivíduo para o outro, a desigualdade diante da informação é, atualmente, a coisa melhor partilhada do mundo.
O estrangeiro sabe, também, que ele não sabe, que ele não pode saber tudo em todo lugar por onde passa; pois o mundo tornou-se uma relação de forças permanente. Isto significa que a razão não governa o mundo globalizado. O desejo é onipresente, o amor e o ódio ainda podem ser considerados como motores do mundo. Nem nômade, nem sedentário, mas o um e o outro ao mesmo tempo, o estrangeiro passa de um mundo local para outro, torna-se o representante singular de um mundo globalizado que muda, uniformiza-se enquanto que as fronteiras e as redes se consolidam ou se deslocam, passando do real para o virtual.
Em torno do estrangeiro constrói-se, portanto, um mundo complexo, que nunca é o mesmo por toda parte, e cujas partes são mais ou menos desiguais.
Assim se formula a questão do estrangeiro: viver num numdo carregando um outro mundo na cabeça e no coração, já é ser um estrangeiro para si mesmo e aos olhos dos outros. Mas ser estrangeiro não seria também vestir uma roupa de Arlequim? A roupa de Arlequim, o patchwork ou o pareô n'zassa da Costa do Marfim, são conjuntos de figuras geométricas coladas umas às outras. Usar esse tipo de roupa poderia chamar a atenção do outro que me lança seu olhar. O verdadeiro drama de qualquer estrangeiro, às portas do novo século, é que ele nem sabe mais o que o distingue do autóctone ou do cidadão de outro país. Será que a sua própria pele, feita de culturas múltiplas, ainda é comparável a um patchwork? Ela é indefinível. Ela poderia ser constituída de um conjunto de camadas superpostas em diferentes períodos da vida e de acordo com os lugares. Apenas a memória viva dentro dele lembra sem cessar quem ele é.
Mas, então, quem é ele senão um ser de todas as travessias? No caso dele ser sedentário, ele pode ter tido encontros inesperados que terão deixado lembranças em sua memória, impressões em sua pele, idéias na sua cabeça. Essas lembranças, impressões e idéias virão juntar-se a alguns sedimentos antigos. Mas quais são os primeiros elementos de cultura que permitem distinguir um estrangeiro de um autóctone? O sedentário de que falamos poderia ser esse homem culturalmente indefinível porque ele terá perdido sua primeira pele e porque a cultura que ele considera como sua já terá sofrido algumas mutações. Toda cultura não seria, atualmente, um encontro de culturas? O autóctone, aquele que pertence a uma determinada terra, aquele que reivindica uma cultura e tradições em seu território e para si, pode acordar um belo dia e constatar que o tempo veio perturbar sua busca de autenticidade. Sua língua terá perdido algumas palavras e terá absorvido outras que não lhe pertencem. Ele estará sentado numa poltrona que seus ancestrais não conheciam. Ao mesmo tempo, imagens vindas de longe, por satélite, chegarão até ele numa tela de televisão. Sua vida cotidiana será a primeira a ser perturbada pela presença do outro mundo. Há décadas, nas aldeias da Costa do Marfim, o rádio entrou na vida dos camponeses, arraigados a suas terras e pouco propensos a mudar dali. Assim, imperceptivelmente, nas aldeias também se aprende a atravessar algumas fronteiras, espiritual e imaginariamente...
Nômade ou sedentário, o ser humano, pelo fato de viver de cultura e porque o seu mundo é um conjunto de terrenos e de territórios marcados por culturas, torna-se, neste século que se inicia, um homem da travessia das fronteiras.


Notez ce document
 
 
 
Moyenne des 69 opinions 
Note 2.30 / 4 MoyenMoyenMoyenMoyen
RECHERCHE
Mots-clés   go
dans 
Traduire cette page Traduire par Google Translate
Partager

Share on Facebook
FACEBOOK
Partager sur Twitter
TWITTER
Share on Google+Google + Share on LinkedInLinkedIn
Partager sur MessengerMessenger Partager sur BloggerBlogger