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Date :  2001-11-07
langue :  Portugais
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Telerelação

Telerelação

Source :  Wolfgang Kaempfer


É na cidade que o homem começa a desenvolver o que se poderia chamar de telerelação. A relação imediata entre as coisas e os homens foi interrompida pela intervenção de um terceiro – de um médium – para a troca das coisas, ou seja, do dinheiro, e de um mediador para os homens e seu acesso aos bens, ou seja, o comerciante. A primeira cena dessa história acontece na Grécia antiga, no 7° século A.C. A figura de Solon, fundador lendário da democracia ateniense, reúne o homem de Estado, o mercador, o poeta e o filósofo. Mas, enquanto primeiro "legislador", parece que ele se considerava inicialmente como um mediador (um intermediário).

Qualquer que seja seu nível, a mediação se mostra capaz de romper os processos ditos históricos ou biográficos. Desde a época de Solon, vem sendo aperfeiçoado um modo de acesso aos bens mais direto e imediato que o da era feudal. Para conseguir um pedaço de terra ou mesmo de uma propriedade antiga e "aristocrática" (com sua "história" incluída), bastará possuir um bem de troca totalmente abstrato (imaterial). Todo ato de troca que se realiza através do médium neutro (e neutralizante) do dinheiro, pode por um ponto final numa história – ou então recomeçá-la, ou recomeçar uma outra.

Vemos que um elemento arbitrário entra em jogo, quebrando o reino feudal, que ele substitui pelo reino da lei. Efetivamente, reino monetário e reino de direito andam juntos, não são separáveis. Assim, está sendo preparado um outro regime, o regime democrático e legislador, que também lançará, com o tempo, sua sombra, a sombra do arbitrário, de um enriquecimento sem limites e de uma imediatidade total quanto ao acesso aos bens (e aos prazeres) do mundo. A legislação de Solon, ainda baseada nas três classes das sociedades ocidentais (aristocratas, artesãos, camponeses) era, neste ponto – o risco de um descarilhamento do sistema judiciário – bem mais previdente e estrita do que a lei atual.

Um "descarilhamento" desse tipo parece impor-se apenas no momento da verdadeira virada de uma sociedade submetida sem cessar a regras não escritas de comportamento, e que se lança no que será chamado mais tarde de liberalismo – e atualmente de neo-liberalismo – reunindo, em primeiro lugar, a liberalização de toda atividade que visa apenas o interesse privado dos indivíduos. E é essa privação crescente dos indivíduos - privação da sua classe, do seu estado, do seu clã, da sua família –, tendo como conseqüência um verdadeiro desencadeamento da atividade econômica, que resultará, finalmente, em efeitos sociais estritamente desocializantes. A sociedade corre o risco, então, de se dissolver numa "sociedade de massas", sem estrutura verdadeira e sem regulamento interno. Chega a hora em que o mundo – ou o que nos serve de "mundo" – acaba deixando de ser mundo para se transformar num gigantesco aparelho disforme, a serviço apenas das sedes, dos desejos e dos fantasmas do homem.

A técnica sofisticada da nossa época é, de certo modo, o paroxismo disto, o resultado final. Ela parece ter um único objetivo final: a mediatização do mundo inteiro até o ponto em que todas as coisas terão encontrado seu duplo, sua imagem, seu simulacro, permitindo o acesso às coisas apenas através desse duplo, dessa imagem. E, portanto, pela mediação de uma "coisa" que não seria mais ela mesma – com a possibilidade, é claro, de uma reprodutibilidade sem fim e de certo modo eterna dessas "coisas": assim o mediador ganharia sua vitória final.

Notamos, nesse contexto, a estranha capacidade do capitalismo atual (pós-industrial) de submeter toda atividade humana ao seu médium basal e fundamental: o código monetário (1). Neste sentido, o capitalismo não tem objetivo, nem mesmo o de um poder que seria equivalente ao de um primeiro ou de um segundo estado nas sociedades divididas em ordens. Historicamente originário do Terceiro-estado, ele continua dedicando-se à sua tarefa original: a manipulação e a gestão dos bens, dos negócios, sem finalidade evidente. Seu único objetivo declarado continua sendo a auto-conservação do homem, mas é um objetivo que, se não leva a lugar nenhum, só pode aumentar o risco de fazer com que o "motor da auto-conservação" estrague por excesso de aquecimento.

A crescente necessidade de entregar-se sem limites a meios de comunicação onipresentes, e a de utilizar as possibilidades de telerelações que eles oferecem e que permitem entrar em contato a qualquer momento com qualquer pessoa ou com qualquer coisa, e isto a uma velocidade próxima da velocidade da luz, essa necessidade não passa da expressão cênica – o roteiro – desse estado de coisas. Isto não está muito longe de um autismo crescente; pois, em última análise, não se comunica mais com o mundo: comunica-se consigo mesmo, obedecendo, na verdade, apenas aos seus próprios impulsos, fantasmas ou obsessões. A telerelação acaba produzindo naturalmente uma verdadeira relação autista.

Eu gostaria, assim, de evocar um filme (cujo título e diretor eu, infelizmente, ignoro) que tentar mostrar uma situação totalmente mediatizada. Nesse filme, toda relação foi transformada numa questão de máquinas, de telefones, de secretárias eletrônicas. Ninguém encontra mais ninguém. As pessoas se falam de um modo narcísico e monomaníaco: são monólogos intermináveis, promessas de encontros, nunca cumpridas; uma atmosfera insustentável, esmagadora, que impede de se ver o filme até o final...

É evidente que se poderia imaginar uma utilização completamente diferente dos meios de comunicação existentes, um uso autônomo e distanciado que favorecesse objetivos, intenções inversas, projetos e tentativas que buscassem uma certa "resocialização" do homem: sua resocialização "numa base eletrônica". Isto exigiria, é claro, uma mudança social não menos radical que a mudança que nos levou à sociedade liberal ou neo-liberal atual.


Notas:
(1) cf. o artigo Código monetário do presente Dicionário.


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