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Date :  2001-10-11
langue :  Portugais
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Nacionalismo

Nacionalismo


O termo globalização começou a ser empregado para nomear os fenômenos políticos e econômicos discerníveis num mundo recém-emancipado das pressões da guerra fria. Sua novidade era, neste sentido, relativa, já que a história passou por diversos momentos "globalizadores". A novidade consistia mais na forma de perceber a sincronia e a recíproca dependência dos avatares mundiais. Diferentemente da romanização, da cristianização, da ocidentalização ou da extensão do capitalismo, um mundo globalizado seria um mundo sem centro nem periferia, um mundo-rede no qual todas as suas partes inter-atuam simultaneamente.

O futuro dos conceitos tem, sem dúvida, menos que ver com a sua coerência interna do que com a sua maleabilidade e com o uso social que se faz deles. A globalização terminou, assim, adquirindo os perfis próprios de uma ideologia cujos conteúdos devem-se mais aos seus adversários do que aos seus supostos valores. Desse modo, ela foi associada ao "pensamento único" e à desregulação dos mercados como mecanismo universal para a distribuição de recursos. A tentação de converter a globalização numa versão renovada da velha "teoria da dependência" foi forte. Diante dela podemos encontrar também uma série de movimentos que se definem melhor em virtude do que criticam do que daquilo que defendem. Contudo, e para lá da vontade contestatória, o que podem ter em comum o militante ante-capitalista, o protetor do meio ambiente ou o protetor da minorias? Se trata-se de um diagnóstico compartilhado sobre as causas de nosso futuro contemporâneo, então a globalização terá vindo suprir a ambição teórica de totalidade perdida com o marxismo e seus derivados. Se não fosse assim, estaríamos assistindo a uma multiplicidade de processos díspares apenas nominalmente englobados num mesmo termo.

Neste complexo panorama, as reações diante da globalização entendida como expansão de estruturas sistêmicas à custa dos "mundos de vida" também tentaram explicar, e de certa forma legitimar, o papel dos nacionalismos. Para isto seguiu-se uma rota inversa à de Max Weber e sua teoria do desencantamento do mundo devido à racionalização social. Segundo essa interpretação, as identidades nacionais serviriam de porto seguro para a subjetividade e os sentimentos primordiais num mundo crescentemente desarraigado e cosmopolita. Se o marxismo concebeu tradicionalmente os nacionalismos como uma forma estrategicamente falsa de consciência a serviço de interesse sociais minoritários, esta linha de argumentação segue um modelo que em sua essência é terapêutico: as identificações nacionais trariam segurança diante da ansiedade provocada por formas deficitárias e tendencialmente anômicas de socialização.

Esta interpretação baseia-se numa série de suposições sobre a subjetividade humana e o fundamento das identidades coletivas, que transcende a distinção habitual entre as referências cívicas e étnicas da nacionalidade. Em última instância, a natureza do imaginário nacionalista não seria tão importante como sua suposta capacidade para oferecer justamente o que a globalização parece ameaçar: certeza identitária, enraizamento social e autenticidade cultural. Os problemas começam quando os imaginários sociais nacionalmente re-encantados têm que provar sua permeabilidade diante das demandas daqueles que estão fora da comunidade política e reclamam o acesso à mesma, ou das demandas dos que estão dentro dela e exigem um reconhecimento diferenciado de suas identidades. As respostas do nacionalismo a esse tipo de demanda são necessariamente limitadas, já que seu objetivo repousa numa esperança quimérica, a da homogeneidade cultural ou política, que só é alcançável mediante o uso continuado do poder para assumir formas mais ou menos forçadas de inclusão social.

Uma análise mais cuidadosa das fases históricas do nacionalismo também obriga a questionarmos sua leitura como uma reação genérica diante da globalização. Os nacionalismos sempre surgiram em momentos de intensa mudança social: o declínio do Antigo Regime, a industrialização, a decomposição dos impérios centro-europeus, a descolonização do Terceiro Mundo, o esfacelamento do bloco soviético... Diante disto, é questionável que esperemos contar com uma única teoria para explicar fenômenos tão heterogêneos. Mesmo assim, é evidente que o surgimento da nação como fundamento da legitimidade política supõe uma mudança de grande importância histórica: o abandono das velhas concepções teológicas em torno do pacto de soberania entre povo e monarca. Mas a elevação da imanência política da nação à categoria de transcendente da soberania régia implicava algo mais do que a superação da divisão do Estado: a nação soberana também devia particularizar-se culturalmente diante das demais nações. Isto era algo que respondia a um programa diferente do estritamente democrático, e que supunha uma autêntica revolução na forma de entender as relações políticas domésticas e externas.

O nacionalismo postula um tipo de identidade cultural entre governantes e governados que não é possível sem a homogeneidade cultural e linguística propiciada pelos instrumentos da soberania política. Isto valida o axioma de acordo com o qual os nacionalistas criam o Estado e o Estado cria a nação. O trânsito de lealdades e identificações do local e familiar para o nacional é um processo histórico de grande alcance que ocorreu paralelamente à urbanização, à criação de públicos alfabetizados, mercados, esferas públicas de comunicação e toda uma série de medidas que devem ser incluídas na rubrica da modernização social. Há pouca coisa no nacionalismo que possa ser entendida como um "retorno às raízes" ou uma reação primordial diante do desconhecido. Pelo contrário: o nacionalismo é em si e por si mesmo mudança social. É a passagem da soberania régia para a popular, dos impérios multiétnicos aos Estados nacionais, da dependência colonial ao auto-governo. O papel dos intelectuais nesse processo de destruição e recriação identitária é sem dúvida muito mais decisivo do que o que se atribui geralmente à natureza ou à história. Em todo caso, não podemos ver nele apenas os interesses específicos de uma classe que, como a intelectual, tem muito o que ganhar na institucionalização de uma cultura "nacional". Também podemos ver nele o jogo de estratégias políticas etnificadas em contextos de decomposição e de incerteza social. Este foi o caso dos nacionalismos da órbita pós-soviética, em geral liderados pelas mesmas intelligentsias étnicas e políticas que se desenvolveram no sistema comunista. A ativação política da etnicidade proporciona novas identidades sob o véu do ancestral, ilumina o espectro de possíveis alianças e identifica os adversários potenciais. A globalização vem apenas multiplicar o número de variáveis que intervém no processo, e ampliar seu espaço de ressonância.


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