Produtores de pequenas comunidades rurais aprendem desde cedo que seu trabalho depende de aproveitar ao máximo todos os recursos disponíveis, procurando gastar o mínimo possível. Com esse ponto de partida, o Instituto Winrock —uma organização internacional que trabalha no Brasil pelo desenvolvimento sustentável — elaborou um projeto em uma comunidade de assentados da reforma agrária do sul da Bahia que utiliza gás gerado pela decomposição de feses de animais, o biogás, para a produção de cacau. Com o uso do gás, os produtores não precisam mais queimar madeira da Mata Atlântica para secar o cacau.
A comunidade de Cascata, próxima ao município de Aureliano Leal, no sul da Bahia, sobrevive, como boa parte dos moradores da região, da produção de cacau. São 40 famílias, mais de 350 pessoas, que trabalham na plantação e criam por volta de 60 cabeças de gado em 580 hectares de terra. Anualmente, elas produzem cerca de 75 toneladas de cacau, que é vendido com o certificado do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento por ter sua produção feita sem o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos.
O biogás é uma forma de energia renovável, produzido a partir da decomposição de matéria orgânica, como esterco e restos de lixo, como cascas de frutas e verduras. Em Cascata, a Winrock patrocinou a construção do biodigestor — responsável pela produção do gás — e a reforma do curral da comunidade. Como explica o morador Amaurílio José da Silva, de 78 anos, que mora em Cascata desde 1964, é no curral que o processo de formação do biogás começa.
Todas as noites, os animais são recolhidos do pasto e colocados para dormir no curral. Na manhã, os moradores lavam o curral e as fezes dos animais escorrem para o biodigestor — um buraco de 2 metros de profundidade, 6 de largura e 8 de comprimento. Lá, os resíduos ficam isolados do oxigênio e, misturados com água, fermentam por 45 dias. Após esse período, além do biogás, surge também biofertilizante, que os moradores utilizam na plantação. Em um mês operando, o biodigestor de Cascata produz 30 mil litros de fertilizante e 500 metros cúbicos de biogás — o equivalente a 15 botijões de gás de cozinha.
Canos que saem do biodigestor são responsáveis por levar o gás até os secadores de cacau. Antes do emprego dessa tecnologia, os aparelhos funcionavam com lenha retirada da Mata Atlântica. Segundo Silva, para cada fornada de cacau eram usados 5 metros de lenha. Com o biogás, a comunidade parou de derrubar a mata. “O pessoal daqui aprovou porque ninguém gosta de cortar árvore. A gente derrubava porque precisava, mas agora ninguém mais corta lenha”, conta o morador. O gás é também usado nos fogões das casas, eliminando mais uma vez a necessidade da madeira.
Apesar de ser feito da decomposição do esterco, o gás não tem cheiro, segundo Luis Souto Silva, coordenador da organização não-governamental Jupará, que atua no projeto. “É um combustível limpo, tanto que eles usam em casa para cozinhar”, afirma.
Para o gerente do programa de energia produtiva do Winrock, Cláudio Ribeiro, a iniciativa é especialmente importante por tornar a comunidade de Cascata auto-suficiente tanto na questão energética quando na compra de fertilizante. “Os moradores tinham um custo com a compra de adubo orgânico que hoje não têm mais. Além disso, eles não afetam mais a Mata Atlântica. Tanto no aspecto econômico quanto no ambiental, todos os resultados são positivos”, afirma.
A Winrock desenvolve ainda outro projeto que utiliza biogás também na Bahia, no município de Jaguariri, no semi-árido, uma região que não possui uma agricultura forte. Esta iniciativa é feita em parceria com a EBDA (Empresa Brasileira de Desenvolvimento Agrícola), na Fazenda Experimental da empresa, e utiliza os dejetos da criação de caprinos.
O princípio é o mesmo, embora esse biodigestor seja um pouco menor, mas os objetivos são outros. O biogás nesse caso é usado para energizar o maquinário utilizado na pasteurização do leite de cabra. Em lampiões adaptados, o gás também é usado para iluminação. O fertilizante, por sua vez, é usado na produção da alimentação dos animais. Depois que os testes na fazenda terminarem, o instituto quer experimentar aplicar a experiência com caprinos em comunidades do Estado.
O Instituto Winrock é um dos 29 membros da RENOVE (Rede Nacional de Organizações para as Energia Renováveis), a maior rede de organizações não-governamentais do país. A RENOVE existe há quatro anos e tem como objetivo unir a experiência de entidades espalhadas por todo o Brasil para melhorar a forma como a energia alternativa é trabalhada em pequenas comunidades. A idéia da criação da Rede veio de diversas atividades realizadas em conjunto por esses grupos, a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Mundial) e o PNUD.