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Date :  2001-09-20
langue :  Portugais
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Cosmopolitismo

Cosmopolitismo


A "mundialização" atual parece, primeiramente, um fato - não que ela tenha chegado ao final, ainda muito incerto, mas no sentido de que as áreas que ela atinge se impõem como um dado que nos parece atualmente inevitável, tanto para o intelectual quanto para o homem de ação. Ela se traduz por uma globalização das problemáticas e uma interdependência cujas primeiras expressões são inicialmente econômicas e financeiras, mas que não deixam de se inscrever também no campo da política e, de modo mais amplo, nas áreas da cultura e/ou do nascimento e da transmissão das ideologias.

Em seu caminho, ela cruza com uma realidade das mais antigas - pelo menos no nosso Ocidente: uma opção filosófica, a procura de um pensamento que escaparia dos limites comuns para abarcar de uma só vez as regiões com uma universalidade a princípio considerada capaz de subtrair o indivíduo do seu "mundinho", das suas filiações imediatas no que elas podem ter de constragedor e de limitador. O cosmopolitismo, já que é disso que se trata, já diz muito bem, por sua etimologia, que a atitude preconizada torna um dever do cidadão - membro de uma comunidade política determinada - escapar desse particularismo para pensar e agir em função de um enraizamento maior e mais profundo, que situa o homem no nível do mundo - um cosmos - apreendido em seu universalismo histórico. "Sou um cidadão do mundo!", lançava assim Schiller (1759-1805) na época em que se preparava e tentava forjar-se uma nova visão do homem e do mundo marcada pela universalidade e igualmente pela dignidade. Estranha conivência que qualifica, assim, efetivamente, uma tal opção e o ideal revolucionário de liberdade, de igualdade e de fraternidade!

Notemos, no entanto, que a palavra, em seu uso corrente, é nada menos do que lisonjeira. Uma visão cosmopolita das coisas tem vestígios de ausência de unidade ou mesmo de coerência, enfim, é uma espécie de saco no qual a riqueza das referências nele jogadas não formam uma unidade fundamental. Seria um verdadeiro sincretismo? Quando se trata de grupos humanos, fortifica-se laços que não ligam para fronteiras e que traçam o que poderíamos chamar de universalidade seletiva, que talvez já seja uma limitação da meta original. Desse modo, há alguns anos, um ensaísta falava do cosmopolitismo exemplificado, na sua opinião, pela maçonaria, pelos judeus e jesuítas... A propósito, essa tendência sofreu muitas vezes o ataque de todos os partidários de um nacionalismo exigente, mas também daqueles, menos intolerantes, que chamamos atualmente de "soberanistas".

Mais seriamente, sabe-se que esse tipo de pensamento foi elaborado e expresso primeiramente pelos filósofos gregos da segunda ou terceira geração, que foram os Estoicistas - e, mais claramente ainda, por seus continuadores na idade clássica da romanidade. Isto foi dito, por exemplo, a respeito de um Marco Aurélio que, em seu Pensamentos, se reconhecia enquanto "cidadão de um mundo governado pela razão". Última nota essencial que evitava que essa opinião ficasse exposta aos avatares de uma simples liberalização do pensamento ou dos tipos de conduta, enfim, de uma fragmentação em sistemas tão tolerantes quanto incompatíveis. A razão sendo reconhecida como universal, pressupunha-se que essa nota essencial poderia unir todos os homens numa identidade de princípio, bem além dos particularismos locais, tributários, por sua vez, de um contexto histórico que, acreditava-se, não questionaria essa universalidade de base. Isso implica em se recusar a ideologia tão freqüente que divide o mundo em "civilizados" e "bárbaros", e que pretende estender ao universo a excelência do seu pensamento e do seu saber.

O início dos tempos modernos conheceu um renascimento do ideal virtuoso dos Estóicos - no qual, sem dúvida, se pode ver, como foi sugerido, um efeito da Revolução de 1789, mesmo se esta, num primeiro momento, tenha relançado uma exacerbação dos nacionalismos expansionistas. Emmanuel Kant publicou, em 1784, uma espécie de manifesto com o significativo título de Idéia de uma história universal do ponto de vista cosmopolítico. Apesar de não ter usado, ao que parece, o próprio termo, pode-se dizer que o pensamento de Hegel está de acordo com essa visão universal e se interessa pelas diferentes abordagens que, efetivamente, a aventura do espírito viveu no movimento da sua realização histórica. Depois dele, e num outro espírito, Marx e seus adeptos não deixaram de querer impor um sistema único de pensamento e de organização social, que visava menos as convicções que um livre exercício da razão pode fazer partilhar, do que a sacralização de um messianismo de classe tido como capaz de gerar uma igualdade finalmente bastante redutora.

Atualmente, quais podem ser as tarefas de um "cosmopolitismo" que se apoiaria na universalidade de um certo exercício da razão, salvaguardando, ao mesmo tempo, as singularidades cuja reivindicação está presente e é tão essencial no nosso mundo? Sem dúvida, seria preciso ir além dos simples objetivos de uma regulação dos mercados, dos fluxos migratórios ou da fluidez dos capitais, para ir "mais longe" e assumir as aspirações e as múltiplas potencialidades dos homens de todos os continentes e de todas as tradições. Trocas culturais que respeitam inteiramente as particularidades, atenção pela diversidade das línguas e ao que se diz nelas de essencial, cultura de uma "universalidade" sempre mais amplamente consentida - com, ao final, a observação de certas nuances ainda não entrevistas - daquilo que é chamado de "direitos humanos". Ao qual convém acrescentar o aprofundamento de uma reflexão sobre o "direito de ingerência" política, a partir do momento em que ele está relacionado de alguma forma com a essência do homem; o prosseguimento de um esforço para tornar corriqueira a idéia de uma justiça supranacional; a instauração de instâncias representativas da "sociedade civil"; finalmente, e principalmente, pairando acima desse arsenal de questões, cada uma mais complexa do que a outra, a instauração, primeiro de uma arbitragem internacional livremente consentida, antes que se acabe chegando a esse "governo mundial" desejado por um Eric Weil, numa linha de pensamento que pretendia ser o prolongamento do legado hegeliano.

Sonhos, tudo isto? É preciso confessar que um cosmopolitismo esclarecido não pode abrir mão do que chamaremos de utopia criadora, num movimento de pensamento e de ação que nunca para, enquanto não tiver alcançado uma justa conciliação entre a universalidade mais ambiciosa e o respeito das singularidades que tanto influem sobre os avanços e os atrasos vividos pela realização dos espíritos. É por isto que, por mais paradoxal que a idéia possa parecer, o cosmopolitismo só será autêntico e uma promessa de futuro, se for preservado um certo "regionalismo". Em outras palavras, o cosmopolitismo não é a redução pura e simples da particularidade, mas ao contrário, é esta última, entendida enquanto tal, que se abre para um cosmopolitismo que chega até ela como um benefício.


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