Estamos afundando, cada dia mais, numa moral da "mundialização", da qual já passa da hora de sair. De fato, a maioria dos intermináveis discursos econômicos, políticos e mediáticos sobre ela têm em comum o fato de, quaisquer que sejam suas contradições aparentes, situarem-se no mesmo plano de uma moral tão sumária quanto instrumental, para a qual, finalmente, seria questão apenas de dizer se aquela coisa - singularizada pelo artigo definido - é boa ou má. É assim que se perpetua a seu respeito um simplismo positivo ou negativo que ocupa a cena e não pensa em abandoná-la. Convergência profunda entre "adversários" e "adeptos" que, para lá de uma oposição de façada, abafa literalmente o debate, em detrimento de uma justa apreciação da sua complexidade. Mas uma tal "moral" é deletéria, e até faz estragos, não apenas porque ela mantém uma confusão permanente cujas forças situam-se em outro lugar, mas também porque impede de pensar os processos em questão e de progredir em sua elucidação.
Como sair, então, desse impasse atual?
Primeiro, parando de invocar de modo incantatório o ídolo da "mundialização", e difundindo o uso plural do conceito - ou seja, desenvolvendo um interesse pelas "mundializações". Por quê? Porque os diferentes processos designados sob a etiqueta de "a mundialização" não são nem um pouco homogêneos e unívocos, mas, ao contrário, multiformes e polissêmicos, mesmo quando parecem comparáveis. Assim, entre mundialização da indústria do cimento, mundialização da informação humanitária, mundialização das vacinas e "mundialização da poesia", as ligações estão por ser pensadas (elas são problemáticas, nem evidentes, nem improváveis). Essa conjugação no plural não tem, aliás, nada de anedótica: pois, se diante da "mundialização" o debate sempre parece poder ser reduzido a uma opinião positiva ou negativa, em compensação, como seria possível ser "a favor ou contra as mundializações"? É evidente que isto não teria sentido, porque o múltiplo incita à prudência! Porque ele invalida de antemão qualquer redução positivista ou negativista. Mas a declinação plural das mundializações tem também uma outra vantagem: a de facilitar sua "apropriação" por todos os cidadãos. De fato, se é possível compreender que estes últimos sejam iludidos pelo leitmotiv mediático da "mundialização da economia", como eles poderiam não se interessar pela mundialização do setor de atividade no qual trabalham (a "bio-dietética"?), do seu lazer preferido (o futebol?) ou da mundialização que seu filho vive na escola (a aprendizagem da Internet)?
Em seguida, parece inevitável definir a todo momento o uso que se propõe para o conceito - exigência mínima, raramente respeitada, no entanto. Mas como pretender formular um discurso pertinente quando se toma a liberdade de utilizar como se fossem exatamente equivalentes "internacionalização", "globalização" e "mundialização", e até mesmo "cosmopolitismo"? Uma língua seria assim tão acessória que ela não teria razões sérias para fazer distinções entre as palavras e ter conceitos precisos? O patrimônio comum dos significados desses conceitos seriam tão desprezíveis que podem ser dispensados, sem nenhum problema? Na verdade, a detestável nebulosa que domina a idéia de "mundialização" favorece uma moral binária e, a partir disto, gera a violência de um confronto que nega suas origens ideológicas (Bem e Mal, branco contra preto...). Ao contrário, um uso justificado, com a exigência que isto supõe, o esforço de restituir brevemente "a mundialização" visada em sua dimensão cultural e histórica; uma atenção rigorosa às "palavras para dizê-la" contribuiriam para tirar o debate atual do caos. Debate que começa a virar vinagre porque não há mais outra coisa na mesa além disso, para beber (o vinagre dos conceitos indigentes).
Enfim, nenhuma "mundialização" da História surge como um processo irreversível que se possa, num instante t, contentar em aprovar ou rejeitar. Ao contrário, "a mundialização", tal como "a democracia", não poderia ser outra coisa que o que se faz dela, individualmente e coletivamente. E, tal como a democracia, ela depende estreitamente da definição que lhe damos, dos objetivos que perseguimos e dos meios que nos oferecemos para alcançá-la. Ela não é nem "uma coisa", nem um fenômeno superior que esteja se impondo aos homens, mas ela designa - na diversidade das suas figuras - meios que os homens se dão para alcançar certos objetivos. E se alguma coisa deve ser interrogada, são inicialmente esses objetivos: intenções originais e finalidades daqueles que participam mais ativamente das mundializações, daqueles que são, por diferentes motivos, seus principais promotores e difusores.
Assim, do mesmo modo que é estranho reclamar ou festejar o funcionamento da democracia quando não se participa da vida pública, as mundializações também exigem que se interesse por elas de perto e de um jeito novo - especialmente quando se pretende fazê-las entrar no caminho do interesse geral ao invés do dos interesses privados. É preciso, como sempre, aprender, educar e formar. Avaliar diferentes pontos de vista - por exemplo, os da filosofia, das ciências humanas, sociais e das artes - os diferentes processos em curso, as relações que eles mantêm, as interpretações divergentes que suscitam, as últimas conseqüências que se pode projetar para eles. É preciso também educar para que se olhe sem preconceito para "o novo mundo" em mutação - exercitar o pensamento a abrir-se para um mundo intrinsecamente complexo. É preciso, finalmente, formar (com meios à altura do desafio) para que se leve em conta, verdadeiramente, as mundializações nas práticas profissionais e as profissões (do professor de Colégio ao dono da fábrica e ao responsável sindical, passando pelo advogado e pelo comerciante).
Só desse modo será possível, não reconciliar abusivamente os cidadãos em torno "do sentido da mundialização" (o "bom"...) - em nome de uma nova moral de substituição -, mas dar-lhes acesso a algumas das chaves dessas mutações que dizem respeito a cada um e às quais cada um tem o direito de dar um sentido pessoal ou em comum com outros.
(Outros artigos sobre esta mesma problemática e redigidos pelo mesmo autor estão disponíveis em francês neste site: Pour une ''philosophie des mondialisations'', Mondialisation : la loi du plus fort ?, De la mondialisation aux mondialisations : domination ou partage du monde ?, Problématique des mondialisations)