Ref. :  000000162
Date :  2001-01-28
langue :  Portugais
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Partilha (--- dos saberes)

Partilha

Source :  Tanella Boni


O sentido mais freqüente da palavra "partilha" envia, por um lado, à idéia de divisão, por outro lado, à de repartição. Neste sentido, falamos da partilha de um espólio ou de um bolo. Dividimos o espólio ou o bolo, objetos divisíveis, ou os distribuímos. Trata-se então de dar a cada um uma "parte", o que lhe é devido. Esta idéia nos remete, entre outras, à famosa discussão sobre a idéia de justiça, no Livro I da República de Platão, onde Sócrates e seus interlocutores dialogam a respeito do justo e do injusto. E sabemos onde leva esta discussão. Com a intervenção do sofista Trasímaco, o justo torna-se o que tem "a vantagem do mais forte". A partir desse momento, compreende-se facilmente que da idéia de partilha para a de repartição desigual, há apenas um passo. E, na realidade, esse passo é dado facilmente. Lá onde a força se impõe, qualquer partilha só pode ser repartição ou distribuição desigual. Os mais fracos só podem receber a parte que eles merecem: a mais fraca. Assim acontece, na maior parte do tempo, com os bens mercadológicos. A repartição desigual dos bens provoca, ao mesmo tempo, uma divisão entre "ricos" e "pobres". Entretanto, quando se trata da repartição dos saberes, os países ricos têm meios de produção e de difusão dos saberes conhecidos e reconhecidos, enquanto que os países pobres, os do Sul, buscam desesperadamente comunicar entre eles e com os outros. Eles só participam muito fracamente da "revolução da informação". As populações tentam assegurar as necessidades mais urgentes: fazer face às necessidades da vida, sobreviver. Às vezes, a educação, a ciência e os saberes são relegados ao segundo plano. Mas existem outros tipos de partilha que não remetem nem à simples repartição nem à divisão entre ricos e pobres.
A partilha coloca o ser humano em relação com outros seres humanos. Ela permite a cada um apanhar sua parte de um lote comum. A participação nesse lote comum é um caminho privilegiado que leva à construção de uma comunidade. Essa comunidade pode ser fechada, se ela só aceitar em seu seio alguns iniciados aptos a receber e a transmitir conhecimentos de forma iniciática, com o enfrentamento de um desafio pelos postulantes, ou discípula dos arcanos. Deste modo, durante séculos, alquimistas puderam buscar o saber ou a pedra filosofal, avançando na via do segredo. Da mesma maneira, na África negra, sociedades iniciáticas (o poro, junto aos Sénoufo da Costa do Marfim, o korè junto aos Bambara do Mali, o bagré junto aos LoDagaa ou os Lobi no Burquina Fasso).
O que é partilhado aqui são segredos que mantêm a comunidade viva e lhe permitem enfrentar eventuais agressões. Os saberes e os conhecimentos práticos (savoir-faire) constituem o tesouro inesgotável onde encontram-se consignados os segredos da sobrevivência de um povo ou de uma comunidade. Muitas vezes a partilha se faz oralmente. Poderíamos comentar aqui longamente a frase de Amadou Hampâthé Bâ: "cada velho que morre é uma biblioteca que queima".
Como impedir bibliotecas de queimar quando as chaves para abri-las estão reservadas a alguns iniciados? Nessas condições, como os saberes podem circular, ou seja, serem comunicados em outros lugares e em outros tempos? A partilha dos saberes passa, primeiramente, pelo reconhecimento do saber do outro como um saber em si mesmo. Trata-se, sem dúvida, de fazer um balanço dos lugares de todos os saberes específicos e de fazer com que eles dialoguem, a fim de que esses saberes escapem da área da confidencialidade e do segredo para serem verdadeiramente parte integrante de um lote comum que deve ser colocado ao alcance da humanidade inteira. Reconhecer saberes e dar-lhes a oportunidade de encontrar outros saberes, é criar o diálogo entre os saberes, ou seja, entre as culturas, é também criar as condições para uma paz durável.
Atualmente, a palavra partilha adquiriu outras dimensões. Ele foi enriquecida com tempos novos e seus espaços foram ampliados. Os saberes do tipo iniciático se metamorfosearam e saem dos bosques sagrados para construir redes. O tempo é real e os saberes múltiplos circulam numa tela virtual. Atualmente, aprender é trocar informações, mensagens, é surfar na Internet. Atualmente, existem fóruns de discussão, milhares de idéias circulam, mas quem participa realmente desse formidável caldo fervilhante de cultura, de pontos de vista, de valores, de conhecimentos, de tecnologias, de informações? Os países mais pobres só podem participar muito fracamente da comunicação e da difusão desses saberes.
Pois os saberes, no sentido em que os entendemos, não são apenas os conhecimentos científicos (ciências exatas, humanas e sociais). Eles dizem respeito a tudo o que podemos aprender e transmitir, o que sabemos desde sempre (o que sabemos sem saber desde quando nem como), nossas crenças, nossas opiniões, nossos valores. Saberes teóricos ou práticos, da ordem da criação ou da produção. Eles também dizem respeito às ferramentas e aos instrumentos de que dispomos para habitar este mundo. Entretanto, é claro que os saberes não são estáticos. Eles estão em movimento, eles circulam em forma de idéias, de valores, de tecnologias. Os saberes mudam com o tempo e de acordo com o espaço. Além disso, atualmente, nossas relações com o tempo e com o espaço se transformam sem cessar. Atualmente, a nova tarefa seria explorar saberes considerados como menores e partilhar-los com o mundo inteiro. Seria preciso analisar não apenas as condições de produção e de transmissão desses saberes, mas também a possibilidade de difusão e de circulação. Porque, na era da civilização da informação, o que valem os saberes que não são nem vistos nem reconhecidos, os saberes que não podem dialogar com outros saberes?



(Este artigo foi editado a partir de um versão longa redigida pelo mesmo autor, que pode ser visitada em francês seguinte endereço: L'inégal partage des savoirs)


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